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Segunda-Feira, 25 de novembro de 2024

Brasil

Brasil perdeu R$ 485 bilhões com desastres naturais em 11 anos

Brasil perdeu R$ 485 bilhões com desastres naturais em 11 anos

(Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

Cidades debaixo d’água, casas arrastadas pelas enxurradas, cemitério de carros, pontes levadas pela água, plantações ressecadas. Os desastres naturais provocados por fatores como chuva ou seca em excesso deixam um rastro de destruição por onde passam com um custo bilionário não apenas para quem está vivendo a tragédia mas para o país de um modo geral.

Segundo o governo federal, o país perdeu R$ 485 bilhões nos últimos 11 anos.
 

Os dados são do Atlas de Desastres, que é organizado pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. O valor leva em conta as perdas nacionais entre 2012 e 2023.

O valor representa prejuízos públicos e privados com a destruição de escolas, hospitais, estradas, empresas e perdas agrícolas. Além dos danos materiais, que representam as perdas das pessoas, que precisam se reerguer do zero depois de tragédias como a de São Sebastião, em 2022.

No gráfico abaixo, é possível observar ano a ano o quanto o prejuízo cresce, acompanhando a crescente de desastres naturais, enquanto os investimentos caem.

Prejuízo com desastres x investimentos na prevenção — Foto: Arte/g1

Prejuízo com desastres x investimentos na prevenção — Foto: Arte/g1

O montante bilionário é resultado de dois fatores:

  1. O aumento no número de extremos anunciado por pesquisadores. Enquanto a chuva torrencial castiga o Sul, o Norte ainda tenta se recuperar da seca histórica de 2023, com impactos em todo o país.
  2. E a falta de resposta em uma política pública de prevenção e de preparo para as mudanças.
 

Na contramão do que recomendam os especialistas, o levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre investimento em prevenção de desastres mostra que o valor foi caindo ao longo dos últimos anos e representa uma pequena fatia diante dos prejuízos bilionários. Ou seja, o país investe mais para remediar, do que para prevenir.

O que os pesquisadores alertam é que o custo para prevenir o desastre teria sido bem menor do que o montante perdido se houvesse atenção às mudanças climáticas.

Em Porto Alegre, por exemplo, o montante necessário para modernizar o sistema contra enchentes, que falhou e não conseguiu conter a cheia do Guaíba, estava previsto em R$ 400 milhões.

Agora, a cidade está destruída e, embora ainda não haja uma estimativa do custo para a sua reconstrução, um relatório da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fergs) dá uma ideia do tamanho da perda: apenas a região metropolitana da capital, hoje debaixo d'água, era responsável por entregar R$ 107 bilhões em produção e não se sabe quando conseguirá se reerguer.

 Os estragos afetam mais de um milhão de pessoas e o governador Eduardo Leite (PSDB) disse que seria preciso um "Plano Marshall de reconstrução", referindo-se à história ajuda financeira fornecida pelos Estados Unidos para reerguer a Europa depois da Segunda Guerra Mundial.

A Fecomércio-RS divulgou um relatório que indica que os prejuízos patrimoniais às pessoas atingidas em todo o Rio Grande do Sul pode passar de R$ 1,7 bilhão.

A tragédia no Rio Grande do Sul é o evento mais caro que o país já teve. A cultura no Brasil é reativa, preferem gastar milhões em reconstrução quando poderiam gastar menos com prevenção, para que a recuperação fosse mais barata e mais fácil.
— José Marengo, especialista em mudanças climáticas e pesquisador do Cemaden

Na tragédia de 2023 no Rio Grande do Sul o prejuízo, somando as perdas para o governo e das pessoas, foi de R$ 104 milhões, segundo os dados do Atlas.

O valor se traduz em histórias como as do empresário Ismael Fonseca, que foi resgatado após dois dias ilhado em Cruzeiro do Sul. A cidade foi devastada pela força da água. Da casa dele, sobraram só as paredes.

"Sem condição nenhuma de voltar a morar aqui. Nossa casa está destruída", conta Fonseca.
 

E na do produtor local de gado, Jorge Dienstmann, que perdeu tudo o que tinha com a enxurrada.

“Dessa vez foi para acabar mesmo. Nada não é tão ruim que não possa piorar. Infelizmente é assim”, lamenta o criador de gado Jorge Dienstmann.
 

O número ainda não inclui a perda imensurável com as mortes nas tragédias. Ao longo de onze anos, mais de 2 mil pessoas morreram em desastres naturais. Além das pessoas que, feridas, tiveram a vida alterada e os animais que também morreram.

A pesquisadora Viviana Aguilar Munhoz, que estuda os impactos dos desastres, do Cemaden, os prejuízos depois de um desastre não afetam apenas a região da tragédia, mas o país e o bolso de todos, como um todo.

"No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, temos um problema com a produção de arroz, que se perdeu. O governo vai importar arroz para conter o impacto na inflação do alimento que está na mesa de todos os brasileiros. Então, todos nós perdemos quando um desastre acontece", explica.

De bairro só sobraram ruínas em Cruzeiro do Sul — Foto: RBS TV/Reprodução

De bairro só sobraram ruínas em Cruzeiro do Sul — Foto: RBS TV/Reprodução

E de quem é a responsabilidade pelo prejuízo?

 

A chuva de grandes proporções no Rio Grande do Sul é um fenômeno natural, mas previsto. A vulnerabilidade do Sul do país para extremos envolvendo chuva é do conhecimento do governo federal desde, pelo menos, 2016. Além disso, o governo gaúcho foi avisado antes sobre o risco.

Dias antes, o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden) emitiu um alerta de chuva acima da média com consequências para as cidades do estado. O órgão é quem faz os alertas oficiais para a Defesa Civil.

Apesar disso, o que especialistas responsáveis pelos alertas consultados pelo g1 explicam é que uma série de falhas impediu que as pessoas fossem impactadas:

  • Cidades tinham pouca ou nenhuma estrutura para a Defesa Civil;
  • Não tinham um plano que indicasse às pessoas o que fazer e para onde ir com o alerta. Segundo o governo do Rio Grande do Sul, só 54% das cidades tinham uma estratégia.
  • Falta de monitoramento para o risco de desastre. Apenas 45 estavam no sistema federal e ampliar dependeria de investimento;
  • Falta de campanha para que as pessoas estivessem cadastradas no sistema que manda o alerta por telefone: apenas 11% da população gaúcha está inscrita.
  • Falhas por falta de modernização no sistema de contenção de chuva, como é o caso de Porto Alegre.
 

O evento extremo, como os especialistas chamam, é reflexo das mudanças climáticas causadas, principalmente, pelas emissões de gases do efeito estufa, que estão em níveis recordes. Apesar da ação da natureza, há anos, estudos alertavam os governos de que o estado estava vulnerável. As pesquisas foram incluídas no projeto do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, que foi engavetado.

Veja a cronologia dos estudos:

  • 2016
 

Em 2016, uma pesquisa apontou a vulnerabilidade do Sul do país às enxurradas. Ela foi encomendada pelo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTIC), uma pasta do governo federal, e analisou dados de histórico de chuvas, geografia e meteorologia. A conclusão apontou que o Rio Grande do Sul precisava de atenção porque estava vulnerável às cheias.

Ou seja, nove anos antes, havia evidências de que o estado poderia ser afetado por cheias.
 

O pesquisador Pedro Camarinha, do Cemaden, e um dos autores do estudo, explica que a pesquisa basearia uma política pública para a mudança climática que previa obras para repensar a estrutura das áreas vulneráveis do país. No entanto, o projeto deixou de ser prioridade após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016.

Os estudos foram encomendados pelo governo federal, as mensagens científicas eram bem claras e não faltavam evidências sobre o risco no Rio Grande do Sul. Ou seja, os governos, federal, estadual e municipal, sabiam do risco, mas não houve um esforço conjunto em se preparar para que isso não acontecesse nessa dimensão.
— Pedro Camarinha, do Centro Nacional de Desastres Naturais (Cemaden)

  • 2021
 

Em 2021 uma nova pesquisa, publicada por José Marengo, referência nacional em pesquisas climáticas, e que atua no Cemaden -- mais uma vez, um órgão ligado ao governo -- mostrava o risco no Sul do país.

Marengo publicou um mapa que mostrava a interferência da mudança climática nas chuvas e os riscos de inundações, incluindo uma previsão caso o aquecimento global atingisse 1,5°C acima das condições pré-industrial, exatamente como estamos hoje. Com isso, o risco para o Rio Grande do Sul era alto. (Veja a imagem abaixo)

Imagem mostra evolução do risco de eventos extremas com inundações com as mudanças climáticas e identifica Rio Grande do Sul como área de risco — Foto: José Marengo/Cemaden

Imagem mostra evolução do risco de eventos extremas com inundações com as mudanças climáticas e identifica Rio Grande do Sul como área de risco — Foto: José Marengo/Cemaden

O estudo avaliou as situações específicas das regiões metropolitanas do país e identificou como de alto risco Porto Alegre e a região do Vale do Itajaí.

"Tínhamos estudos que indicavam que o estado tinha risco com as chuvas fortes. Faltou preparo para evitar que o desastre acontecesse", comenta Marengo.
 

  • 2022
 

Um vídeo que circula as redes sociais nos últimos dias mostra o ecólogo Marcelo Dutra da Silva, doutor em ciências e professor de Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) alertando que suas pesquisas mostravam um aumento na precipitação (acumulado de chuva) desde 2013 e cobrando as autoridades de preparo para a situação.

"O comportamento das chuvas mudou. Eu tenho feito um levantamento e já percebi que de 2013 pra frente nós temos um acumulado de precipitação [chuvas] no mês de mais de 300 ml. A minha pergunta é: o que nós, por exemplo, na Defesa Civil, temos programado para prever essas possibilidades? Em algum momento, vamos começar a ver [inundações] em áreas em que a água não chegava com tanta frequência e vamos lembrar disso que estamos falando aqui."
— Marcelo Dutra da Silva, professor de Ecologia na FURG

Para além dos estudos, a trajetória dos eventos extremos produzidas pela base de dados do próprio governo federal mostra a evolução de ocorrências de desastres naturais, que mais que dobrou em onze anos, aumentando também o número de mortos.

Investimento e políticas públicas eram a resposta

 

O que os especialistas apontam é que as autoridades em nível federal, estadual e municipal sabiam do risco há anos. A questão defendida por eles é a de que era necessária uma política que levasse em conta os alertas e investimento para que ações fossem tomadas para evitar a tragédia nesta dimensão.

 O governo federal tem uma verba para a gestão de riscos e desastres, que prevê obras em encostas, melhorias contra enchentes, planos para momentos de risco. Esse valor é transferido aos governos e municípios para atuarem nessas frentes. Isso depende de pedido à União e precisa de algumas condições como estudos prevenção que justifiquem os valores.

Segundo o painel do Tribunal de Contas da União (TCU) o governo reservou entre 2012 e 2023 pouco mais de R$ 33 bilhões.

No entanto, apenas R$ 21 bilhões foram, de fato, destinados. Além disso, o valor vinha sendo reduzido. Em 2013, por exemplo, foram investidos R$ 3 bilhões, nos anos seguintes, mesmo com o aumento dos prejuízos, o valor não superou a marca de R$ 1,3 bilhão. (Veja o gráfico no início desta reportagem)

 O dinheiro também poderia vir de emendas parlamentares, por exemplo. As emedas são recursos milionários que parlamentares podem encaminhar para projetos escolhidos por eles. Na bancada gaúcha do Congresso, apenas uma parlamentar destinou, em 2024, emendas para a prevenção de desastres climáticos no Rio Grande do Sul. O valor foi de R$ 1 milhão.

Ou seja, é uma responsabilidade partilhada.

O valor é revertido em ações de prevenção como sistemas contra enchentes, projetos que permitam que às cidades resistam em caso de eventos extremos, melhorias no monitoramento, investimento em estrutura da Defesa Civil e nos alertas.

No caso de Porto Alegre, por exemplo, hidrólogos consultados pelo g1apontam que a capital foi tomada pela água pela falha no Sistema de Proteção Contra Cheias. Construído em 1970, ele não passou por manutenção recente ou modernização. Com isso, várias das bombas que deveriam impedir o alagamento tiveram que ser desligadas pelo risco de choque elétrico. O valor estimado para os ajustes que o teriam feito funcionar é de R$ 400 milhões. (Leia mais aqui)

 A União destinou ao Rio Grande do Sul R$ 715 milhões em onze anos, de 2012 a 2023, para obras contra desastres no Rio Grande do Sul, segundo o TCU. O valor representa não só orçamento ao estado, como a municípios gaúchos.

Segundo os dados do TCU, até agora, foram empenhados R$ 213 milhões do governo federal só em ações de Defesa Civil. Ou seja, em um período de 30 dias o governo teve de investir 30% do que investiu em mais de dez anos.

O resultado que estamos vendo é uma soma de responsabilidades que passa por mudanças na legislação ambiental, mudança da vegetação que degrada o solo, falta de investimento na prevenção na proporção da perda. A sociedade precisa cobra que os governos, em todas as esferas, para que a questão climática seja prioridade.
— Pedro Caraminha, especialista em mudanças climáticas.

A tragédia anunciada não se restringe ao Rio Grande do Sul, mas inclui riscos por todo o país.

Os relatórios e estudos que citavam o Rio Grande do Sul, também apontavam, por exemplo, mudanças que deixavam vulneráveis às chuvas o litoral de São Paulo, que foi palco de uma tragédia em 2023. Em São Sebastião, um temporal devastador deixou 64 pessoas mortas, arrastadas pela chuva ou pelo deslizamento.

Além das pesquisas, o Ministério Público disse que a prefeitura havia sido alertada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) em 2018, cinco anos antes do desastre, do risco de deslizamento.

O prejuízo para o governo com estrutura e suporte para a cidade foi de R$ 30 milhões. E o valor em perda para as pessoas e empresas afetadas pela tragédia foi de R$ 197 milhões.

Desastre em São Sebastião deixou dezenas de mortos — Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo/Arquivo

Desastre em São Sebastião deixou dezenas de mortos — Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo/Arquivo

José Marengo, coordenador geral de pesquisa e desenvolvimento do Cemaden e referência em pesquisas climáticas, aponta que há um negacionismo climático, que torna políticos céticos e reduz a importância de políticas com resposta às mudanças climáticas.

Há um certo negacionismo climático. Os governantes, as pessoas, acham que as previsões não vão acontecer. No entanto, o que estamos vendo é que as cidades não são mais resilientes a essas mudanças. Não dá para seguir com a inação e tapar os olhos para a realidade.
— José Marengo, coordenador geral de pesquisa e desenvolvimento do Cemaden.

Travado há três anos, plano de adaptação é aprovado após tragédia no RS

 

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta semana o projeto que estabelece diretrizes para elaboração do plano de adaptação do país à mudança do Clima. O projeto estava parado há mais de três anos no congresso.

O projeto prevê a criação do plano, que precisa assegurar a implementação de estratégias prioritariamente em três áreas:

  • infraestrutura urbana e direito à cidade
  • infraestrutura nacional, com ênfase na comunicação, energia, transportes
  • infraestrutura baseada na natureza
 

O texto prevê a criação de um fundo nacional que vai apoiar financeiramente os municípios mais vulneráveis e expostos às ameaças climáticas.

O que dizem os governos

 

  • Ministério da Ciência e Tecnologia
 

Perguntado sobre o monitoramento das cidades, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTIC) confirmou que são apenas 45 cidades são monitoradas pelo Cemaden no Rio Grande do Sul, mas que estão previstos investimentos para a ampliação, chegando a 57. O estado tem 479 municípios.

A pasta ainda informou que monitora 1.132 municípios, onde vivem 120 milhões de pessoas no país.

  • Ministério do Desenvolvimento Regional
 

A reportagem procurou o Ministério do Desenvolvimento Regional, pasta de onde sai o maior valor para a proteção aos desastres, mas não obteve retorno até a publicação.

  • Governo do Rio Grande do Sul
 

O governo do Rio Grande do Sul disse que apenas 54% das cidades têm um plano de contingenciamento, que cria uma estrutura com o que fazer e para onde ir em caso de desastres: são 270 dos 497 municípios.

Sobre os alertas de desastres, disse que 11% da população está cadastrada nos sistemas de alerta, mas que têm feito campanhas recentes para ampliar os cadastros e implantação de um sistema que vai enviar os avisos diretamente aos celulares de quem estiver em uma área de desastre.

Na região metropolitana de Porto Alegre, foram investidos R$ 25 milhões no serviço de monitoramento de desastres.

E que após a tragédia, na semana passada, foi criado o Grupo de Avaliação do Movimento de Massa do Rio Grande do Sul (Gamma). O objetivo é que avaliem locais com risco de deslizamento, começando pelo Vale do Taquari.

  • Prefeitura de Porto Alegre
 

g1 procurou a prefeitura de Porto Alegre sobre a manutenção do sistema que deveria proteger a cidade das cheias, e a administração municipal declarou que "refuta a afirmação de que houve falta de manutenção".

"O sistema de proteção contra cheias apresentou pontos de fragilidade. (...) O dilema não é a falta de manutenção, mas a concepção dos projetos de construção das casas de bomba e das comportas. O sistema precisa ser pensado de forma ampla", afirmou a administração em nota.
 

Além disso, afirmou que, nos últimos anos, foram realizadas melhorias significativas no sistema de proteção, como a aquisição de motores elétricos, chaves de partida eletrônica, comportas de vedação de aço inox e implantação de automação. "Não fossem estas melhorias, a enchente seria ainda maior", afirma a administração municipal.

*G1