O temporal que atingiu São Paulo na sexta-feira (11) deixou pelo menos 2,6 milhões de pessoas sem energia. Até este sábado (12), 1,35 milhão de paulistanos ainda estavam sem luz. Esta é a terceira vez em menos de um ano que a cidade mais populosa do país lida com um apagão generalizado, colocando sob risco a continuidade da Enel na cidade. A concessionária é responsável pelo fornecimento energético na Grande São Paulo, e autoridades do município e do governo federal criticaram o trabalho da empresa. O Ministério de Minas e Energia afirmou que não há indicativos de que o contrato da distribuidora será renovado.
Em novembro do ano passado, 2,1 milhões de residências em São Paulo ficaram sem energia após um temporal, e o abastecimento para alguns consumidores só voltou depois de 168 horas.
Por causa da ocorrência, a Enel foi multada em R$ 165 milhões pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). A Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, também multou a distribuidora em R$ 13 milhões.
Após a ocorrência, a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito para “apurar possíveis irregularidades e práticas abusivas cometidas pela Enel na prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica na região metropolitana de São Paulo”. O relatório final, apresentado em dezembro, pediu intervenção na Enel e a anulação do contrato de concessão da distribuição.
Em março deste ano, 35 mil casas da cidade de São Paulo ficaram no escuro. Em alguns locais, o apagão durou ao menos 30 horas.
O problema foi causado por uma falha na rede subterrânea da Enel. “Uma escavação realizada pela Sabesp na região central de São Paulo atingiu acidentalmente cabos da rede subterrânea da distribuidora, e causou a interrupção da energia”, disse a concessionária à época.
Segundo a Enel, as 1,35 milhão de pessoas ainda sem luz pelo temporal da última sexta representam 17% do total de clientes da distribuidora. A companhia disse que reforçou as equipes em campo com até 2.500 técnicos e está recebendo apoio de funcionários do Ceará e do Rio de Janeiro.
Futuro da Enel
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), disse que a população da cidade já cansou dos problemas causados pela Enel, que segundo ele “tem prestado um desserviço à cidade”. Ele cobrou o governo federal a fiscalizar a atuação da empresa.
O Ministério de Minas e Energia informou que criou uma sala de situação para acompanhar o caso. Segundo o ministro Alexandre Silveira, “não há qualquer indicativo de renovação da concessão da distribuidora em São Paulo”.
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) disse que vai intimar a distribuidora para que apresente “justificativas e proposta de adequação imediata do serviço” após as ocorrências. Segundo a agência, caso a empresa não apresente solução satisfatória e imediata da prestação do serviço, será instaurado um processo de recomendação da anulação da concessão junto ao Ministério de Minas e Energia.
Apesar disso, Alexandre Silveira criticou a Aneel por não fiscalizar corretamente a Enel e disse que a agência teria ignorado um pedido feito no ano passado pelo ministério para romper o contrato de concessão da Enel em São Paulo.
“A agência claramente se mostra falha na fiscalização da distribuidora de energia, uma vez que o histórico de problemas da Enel ocorre reiteradamente em São Paulo e também em outras áreas de concessão da empresa”, disse o ministro.
Debate sobre concessão
O fornecimento de energia elétrica em São Paulo é privatizado desde 1998. Antes disso, a responsabilidade era da empresa estatal Eletropaulo, criada no governo de Paulo Maluf. Em 1998, ela foi desmembrada e vendida na bolsa de valores. Em 2018, ela foi a leilão de novo, quando a Enel venceu. A empresa, então, passou a ser responsável pela distribuição de 70% da energia de São Paulo.
A concessão, dada pelo governo federal para a empresa, chega ao fim em 2028. Em junho, o Ministério de Minas e Energia publicou um decreto que endurece as regras para concessões de distribuição de energia elétrica. “A licitação ou a prorrogação deverá ser realizada com compromisso imediato de atendimento de metas de qualidade e eficiência na recomposição do serviço com critérios mais rígidos, de forma isonômica em toda a área de concessão, em benefício dos usuários de energia elétrica”, destaca a publicação.
Entre as regras, estão metas obrigatórias para a retomada de serviços em caso de eventos climáticos extremos, evitando que os consumidores fiquem sem luz por longos períodos.
Na semana passada, a Aneel assinou uma nota técnica que recomenda a abertura de consulta pública para discutir os contratos de concessões de distribuição de energia elétrica no país.
Hoje, a responsabilidade sobre as concessões são do Ministério de Minas e Energia e da Aneel. Um projeto em tramitação na Câmara dos Deputados quer que essa responsabilidade também passe a ser dos municípios.
“Devemos lembrar, sempre, que os mais afetados por problemas na prestação dos serviços são os cidadãos comuns, na qualidade de consumidores, certa e naturalmente mais próximos dos governos locais, a quem recorrem nos casos de problemas, do que do governo federal”, justifica o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), autor da proposta, ao citar o problema enfrentado por São Paulo.