Quinta-Feira, 28 de novembro de 2024
Quinta-Feira, 28 de novembro de 2024
Os Estados da região amazônica articulam uma mudança no PL 412/2022, que regulamenta o mercado de carbono. A ideia é deixar claro no texto que os Estados poderão assumir a venda direta dos créditos produzidos dentro das suas fronteiras. Hoje, a comercialização no mercado voluntário é feita diretamente pelos proprietários das terras.
No texto aprovado no Senado, que tramita na Câmara dos Deputados, a possibilidade fica em aberto. A demanda agora é deixar claro que os Estados farão essa intermediação.
O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), é o presidente do Consórcio da Amazônia Legal e lidera os esforços. Segundo ele, a medida visa ampliar as possibilidades, sem restringir o mercado que já existe.
“Defendemos que, além desse modelo [venda direta], os Estados tenham seus sistemas jurisdicionais de venda. No território do Pará, por exemplo, se eu emitir 2 milhões de toneladas em 2022 e reduzir 500 em 2023, pego essas 500 e vendo direto. Não preciso pagar atravessador. Será o Estado por uma agência“, disse ao Poder360.
Se for adiante, os governos estaduais ficarão responsáveis por vender todos os créditos do Estado, sejam de terras estaduais, propriedades privadas, reservas indígenas ou quilombolas e assentamentos da reforma agrária.
O sistema então fará uma conta de quanto cada propriedade produziu de créditos naquele Estado. E os proprietários ou moradores receberão o equivalente àquilo que foi vendido. Os valores serão negociados pelo Estado.
“O Estado do Pará está discutindo valores de US$ 15 a tonelada e os projetos particulares, pelo que tenho visto, estão a US$ 6. É vantajoso“, disse Helder.
Segundo Helder, os proprietários que não quiserem aderir a esse sistema não serão obrigados. Eles informarão ao Estado e poderão fazer a venda no mercado direto. O processo, porém, ainda não foi regulamentado.
O projeto está para ser votado na Câmara. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), está fora do país. Ele foi à COP28, conferência climática que será realizada nos Emirados Árabes Unidos. O relator na Câmara é o deputado Aliel Machado (PV-PR).
SENADO
O texto que saiu do Senado deixa em aberto a possibilidade que Estados também participem das vendas dos créditos de carbono. Eis o que diz trecho do texto, relatado por Leila Barros (PDT-DF), sobre a abrangência que podem ter os programas estaduais:
Art. 48. Consideram-se áreas aptas ao desenvolvimento de projetos e programas de geração de créditos de carbono e de Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões, observados os demais requisitos estabelecidos neste Capítulo e na regulação do órgão gestor do SBCE: I – as terras indígenas, os territórios quilombolas e outras áreas tradicionalmente ocupadas por povos e comunidades tradicionais; II – as Unidades de Conservação previstas nos artigos 8o e 14 da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, desde que em conformidade com o disposto no Plano de Manejo da unidade; III – os projetos de assentamentos ambientalmente diferenciados, referidos na Lei no 8.629, de 25 de fevereiro de 1993; e IV – as florestas públicas não destinadas.
“Consideramos alguns aspectos. O primeiro é que os Estados já estavam trabalhando na viabilização desses programas. Segundo porque valoriza esse tipo de crédito, considerando mais robusto, confiável. E, ao tratar de áreas extensas, reduz o risco de desmatamento e incentiva práticas sustentáveis“, disse a senadora ao Poder360 sobre o motivo que a levou a incluir o ponto no texto.
De fato, uma série de Estados já montaram sistemas próprios para venderem os créditos (leia mais abaixo). Segundo Leila, essa venda pelos programas desenvolvidos pelos Estados demanda adaptações na venda direta.
“Entendo que o programa jurisdicional não inviabiliza a manutenção de projetos privados. Mas demanda mecanismos que impeçam a dupla contagem. O crédito gerado no projeto deve ser deduzido no que for gerado na jurisdição onde é localizado“, disse.
QUESTIONAMENTOS
Há questionamentos jurídicos sobre a possibilidade de os Estados assumirem a venda direta dos créditos de carbono.
Segundo o ex-juiz federal e professor de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Luciano de Souza Godoy, um dos maiores especialistas no tema no Brasil, os créditos são intrinsecamente dos donos das terras.
“O crédito é um fruto da propriedade. O melhor exemplo é o aluguel. O governo tributa o rendimento, mas não fica com o aluguel“, disse ao Poder360.
Um dos setores que está questionando a nova redação do texto é o agronegócio. Há uma percepção de que eles podem conseguir preços melhores no mercado internacional fazendo a venda direta, sem intermediação estatal. “O agro tem um grande ativo, que é o fazendeiro que vai ganhar mais dinheiro não desmatando. Vai ganhar dinheiro por preservar“, disse Luciano.
EMPRESAS LOCAIS
Uma série de Estados da região amazônica começaram a aprovar leis e criar empresas estatais para gerenciar o crédito de carbono.
O Acre é o mais avançado. No fim do ano passado, foi criada a CDSA (Companhia Agência de Desenvolvimento de Serviços Ambientais do Estado do Acre S/A), uma sociedade de economia mista. Seu capital social é de R$ 2,5 bilhões. Será a responsável pela venda dos créditos de carbono.
Trata-se de um mercado bilionário. Estudo do ICC Brasil em parceria com a WayCarbon estimou esse mercado em US$ 120 bilhões (aproximadamente R$ 600 bilhões). É o número que o governo federal usa para montar as suas estimativas.
Outros estados, como Tocantins e Roraima, também já deram início a esse processo. Ou seja: mesmo sem a lei ter sido aprovada em plano federal e com o mercado de carbono ainda não regulado no país, já estão se antecipando ao início desse mercado.