Quarta-Feira, 27 de novembro de 2024
Quarta-Feira, 27 de novembro de 2024
Roraima está em chamas. O fogo que se espalhou pelo estado está consumindo casas, animais e a vegetação. Segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o cenário é de uma das piores queimadas já registrados nos últimos 30 anos.
O estado tem pouco mais de 200 mil km² de extensão e é o menos populoso do país. No entanto, desde o início do ano mantém 30% de todos os focos de incêndio registrados no Brasil, de acordo com o Inpe. São 2,6 mil pontos de queimada.
Os incêndios são causados por dois pontos principais:
Com o solo e a vegetação seca, as temperaturas altas e a falta de chuva, os pequenos focos logo ficam incontroláveis e se somam às queimadas na região.
O ano começou com os incêndios já acima da média. Até janeiro eram 604 pontos com fogo em todo o estado. Em fevereiro, com o agravamento da seca e as altas temperaturas, o número mais que dobrou e desenhou um cenário de caos.
Até esta quarta-feira (28) o Inpe, ligado ao governo federal, e que monitora a seca e as queimadas em todo o país, registrava 2 mil pontos de incêndio no estado no mês de fevereiro. Com isso, o estado chegou ao recorde histórico.
"A explosão no grande número de incêndios começou em torno do dia 4 de fevereiro e se intensificou durante o período de Carnaval. Isso acaba sendo uma questão cultural, a gente sabe que aqui no estado muitos produtores, da agricultura familiar, que tem áreas propícias a queimar, fazem a limpeza das áreas com a queima nessa época do ano", explicou o coordenador da Defesa Civil Cleudiomar Ferreira.
Um levantamento da organização não governamental Greenpeace encontrou uma ligação entre os incêndios florestais em Roraima e queimadas controladas que receberam autorização do governo estadual: foram emitidas 55 licenças ambientais para realização queimadas controladas durante a seca severa.
Estiagem e queimadas em Roraima — Foto: Arte/g1
O governo, no entanto, afirma que revogou todas as autorizações. Informou também que atua com a operação Verão Seguro, que tem entre suas ações, as contratações de 230 brigadistas e a perfuração de 50 novos poços artesianos.
"Aquelas autorizações que foram dadas, em sua maioria, para queima de área de pasto, podem ter se alastrado para floresta. Além, é claro, da maioria desses focos de calor ocorrerem sem licença nenhuma, de forma ilegal", explicou Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil. "O fogo na Amazônia é muito utilizado basicamente para a renovação de pastagem, o problema é que esse fogo pode perder o controle e ir para áreas de floresta".
Oficialmente, o estado segue no período seco até abril. Até lá, a Defesa Civil estadual estima que o risco de propagação de incêndios continuem. Com base em dados de anos anteriores, a projeção do Greenpeace também é de que seja um período com alta de focos de calor.
No início do mês, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima declarou estado de emergência ambiental em Roraima até abril de 2025, em razão dos riscos de incêndios florestais no estado.
Depois, o governo federal também reconheceu situação de emergência, já decretada também pelo estado, em nove municípios devido aos efeitos da estiagem: Amajari, Alto Alegre, Cantá, Caracaraí, Iracema, Mucajaí, Pacaraima, Normandia e Uiramutã.
Desde setembro do ano passado, Roraima passa pelo período seco — que deve durar até abril. O cenário de incêndios se agravou em janeiro, segundo um parecer técnico elaborado pela Defesa Civil que sugeriu a decretação de situação de emergência em nove dos 15 municípios de Roraima.
O nível de água no Rio Branco, principal rio de Roraima e responsável por abastecer com água potável a população de Boa Vista , baixou 10 centímetros em uma semana, e atingiu a marca de - 0,15 centímetros.
Pé de banana queimado por incêndios na Malacacheta, no Cantá, em Roraima — Foto: Samantha Rufino/g1 RR
O relatório técnico da Defesa Civil que embasou o decreto de emergência no estado apontou situações como escassez de água, prejuízos à agricultura e pecuária, incêndios florestais e problemas de saúde nos nove municípios.
O parecer também cita que a situação tem sido agravada pelo fenômeno El Niño, que aquece as águas do Oceano Pacífico e freia a atuação de frentes frias no Brasil.
O município de Amajari é um dos mais afetados e tem "fogo para todo lado", conforme Chaguinhas Soares, coordenadora da Defesa Civil da região.
"Mesmo tendo a brigada do Prevfogo, a questão é: fogo para todo lado", resumiu Chaguinhas Soares, coordenadora local da Defesa Civil da região.
No município, alguns moradores contaram que viveram dias sem dormir para controlar os incêndios que nos últimos dias queimaram aos menos cinco casas, mataram animais e poluíram o ar com fumaça.
Na propriedade do produtor rural Francisco da Cruz, em Amajari, o fogo matou um bezerro recém-nascido e deixou outro ferido.
"A gente não dorme, nem de noite e nem de dia, tentando combater esse fogo. É uma coisa incontrolável . O que tem na frente ele vai levando, casa, animais, vai prejudicando tudo. A gente está nessa situação", contou.
No último dia 22, a qualidade do ar no Amajari atingiu 44 µg/m3 em poluição causada por fumaça, três vezes o nível máximo de 15 µg/m3, recomendado pela Organização Mundial da Saúde.
"Três vezes mais do que o preconizado pela Organização Mundial de Saúde. Então, você imagina quanto o pessoal dessa região sofreu e continua sofrendo, porque o nível de poluição continua alto", afirmou o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Reinaldo Imbrozio Barbosa, que há mais de três décadas estuda incêndios na Amazônia brasileira.
Na capital Boa Vista, o último dia 22 foi o mais crítico: o ar atingiu 82 µg/m3, cinco vezes o recomendável pela OMS. Na semana passada entre 19 e 23, os dias "foram péssimos para todo morador de Boa Vista", disse o pesquisador. "Todo dia nós fomos fumantes passivos. Todos os dias, no dia 19, 20, 21, 22, 23".
O período vivido em Roraima agora pode ser considerado um dos três eventos climáticos mais críticos da história do estado desde que o Inpe passou a monitoras focos de calor por meio de satélites, segundo o pesquisador Reinaldo Imbrózio, do Inpa.
"Entre setembro de 1997 e março de 1998, tivemos o chamado 'El Niño do século', tivemos apenas 32 milímetros de chuva, isso foi absolutamente nada, o lavrado [vegetação característica nessa parte da Amazônia] queimou praticamente todo, as florestas de um ponto de vista que nunca vi na vida", relembrou o pesquisador. "Depois, em 2015 e 2016 teve um outro El Niño gigantesco, e agora esse de 2023 a 2024".
O conhecido "incêndio de 1998" em Roraima causou uma das piores devastações por incêndios da história. À época, o fogo atingiu o ápice no mês de março e destruiu mais de 38 mil km², o que corresponde a 17% do território do estado. A destruição foi classificada como “tragédia ambiental” em todo o país.
Imbrózio avalia que, com o clima seco, os incêndios tendem a continuar, embora, em proporções menores, reforçando as previsões da Defesa Civil e do Greenpeace.
"Muito provavelmente eu acho que a fumaça vai continuar no nível alto, acima do que a gente espera, do que o preconizado pela OMS, mas abaixo desses picos gigantescos que deram na semana passada, na semana retrasada", avalia o pesquisado do Inpa.
Além de liderar os focos de calor no país em 2024, Roraima tem 7 das 10 terras indígenas no ranking dos territórios com mais focos de calor. A Terra Indígena Yanomami, localizada entre os estados do Amazonas e Roraima, lidera a lista com 262 focos em 2024, seguida da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (205) e São Marcos (71), ambas em Roraima.
A Terra Yanomami é considerada o maior território indígena do Brasil e está localizada em uma área de vegetação florestal - diferente de outras partes do estado, onde predomina o lavrado. A região já enfrentava uma crise sem precedentes, com casos graves de indígenas com malária e desnutrição severa. Agora, o fogo piora a situação dos indígenas.
Na Missão Catrimani, lideranças Yanomami relataram que o fogo queimou quase todas as roças e um malocão (casa comunitária) foi totalmente destruído em Monopi, segundo a Hutukara Associação Yanomami.
Incêndio atingiu barracão, segundo associação Yanomami — Foto: Missão Catrimani/Divulgação
A associação recebeu informações por meio do seu Sistema de Alertas sobre a ocorrência de incêndios nas regiões Missão Catrimani e Apiaú. As ocorrências são da semana de 19 a 23 de fevereiro.
"Estamos com complicações para respirar, o dia fica escuro com as fumaças. O fogo continua queimando na floresta, onde as comunidades caçam. Os Yanomami tentar apagar, mas não conseguem", comunicou a Hutukara.
A Hutukara acionou a Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye’kwana da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Ibama, ICMBio e Ministério Público Federal (MPF) para que tomem providências no combate aos incêndios e apoiem as famílias indígenas afetadas.
*G1