Sexta-Feira, 22 de novembro de 2024
Sexta-Feira, 22 de novembro de 2024
Uma revisão de estudos feita pelo Movimento Pessoas à Frente mostra que a Lei 12.990/2014, que reserva 20% de vagas da administração pública federal para negros, tem sido driblada em seus 10 anos de aplicação.
O Senado aprovou na 4ª feira (22.mai.2024) o PL (Projeto de Lei) 1.958 de 2021, que amplia a cota para 30%, estende as cotas por mais 10 anos e coíbe os dribles em sua aplicação.
O projeto ainda precisa ser aprovado pela Câmara. A lei em vigor tem validade de 10 anos a partir da aprovação. Deixará de valer em 8 de junho se uma nova legislação não for aprovada.
FRACIONAMENTO DE VAGAS
A regra atual determina a cota de 20% a negros sempre que um concurso oferecer 3 vagas ou mais. Mas os estudos listam indícios de que, em vez de lançar um edital com 4 vagas, por exemplo, são feitos 2 editais com duas vagas cada um. Assim, a exigência da cota não se aplica.
O fracionamento de vagas é citado em 16 de 34 estudos sobre a lei revisados pelo Movimento Pessoas à Frente. Um dos estudos (leia a íntegra) tem 2 exemplos dos indícios de burla identificados:
“O fracionamento de vagas é um dos problemas, sobretudo quando pensamos em carreiras como a de professores universitários, que tendem a fazer concursos para uma só vaga”, diz Luiz Augusto Campos, pesquisador que trabalhou na revisão de estudos.
O Poder360 procurou a UFRJ para perguntar se gostaria de se manifestar sobre esses casos. A universidade informou que não poderia porque os funcionários da instituição estão em greve. O espaço permanece aberto.
BARREIRAS BUROCRÁTICAS
Além dos problemas citados acima, os estudos ainda elencam como empecilhos:
AUMENTO DA PROPORÇÃO DE NEGROS
Apesar das limitações, houve aumento na proporção de negros no funcionalismo público federal desde a aplicação da lei. Passou de 37,3% em 2013 para 39,9% em 2023. O percentual de negros (que se declaram pretos+pardos) no Brasil é de 55,5%.
Outro estudo com dados menos atuais, do Ipea, mostra que o percentual de negros entre os ingressantes no funcionalismo público passou de 30,7% em 2014 para 42% em 2020. Atualmente, 573 mil funcionários trabalham no Executivo Federal.
Uma das pesquisas citadas na revisão do Movimento Pessoas à Frente cita o fato de que os candidatos negros beneficiados se concentram em camadas de renda mais elevadas da população.
Na amostra analisada, 72% dos beneficiados tinham renda familiar superior a 5 salários-mínimos (R$ 7.010 em valor atual), 49% tinham casa própria e 47% estudaram em escolas particulares no ensino médio.
REGRAS MAIS CLARAS
A lei tem vigência de 10 anos. Perde validade se não for renovada até 8 de junho de 2024. O PL 1.958/2021 aprovado no Senado na 4ª feira (23.mai.2024) propõe renovar a política por mais 10 anos e inclui alguns mecanismos para evitar esse tipo de brecha.
“Se o projeto for aprovado, vamos ter de aplicar cotas a cada 2 vagas de concurso e não a cada 3 vagas de concurso, como antes. Isso facilita a aplicação das cotas [e evita os dribles na regra]. Além disso, o projeto tem um artigo que diz que o Ministério da Educação vai estabelecer regulamentação infralegal para evitar o fracionamento das vagas”, diz o pesquisador Luiz Augusto Campos.
Além disso, o projeto em discussão acrescenta os seguintes itens:
Senadores de oposição se opuseram ao projeto aprovado no Senado. Disseram que seria melhor implantar regras para beneficiar pessoas de baixa renda de forma mais ampla.
O senador Rogerio Marinho (PL-RN), líder da Oposição, disse que as cotas servem para “dividir o Brasil”.
O relator do projeto, Humberto Costa (PT-PE), afirmou que há pobres brancos, mas que negros e indígenas predominam na população de baixa renda. Isso, na avaliação de Costa, justifica as cotas para esses grupos.
A aprovação do projeto no Senado foi positiva na avaliação do Movimento Pessoas à Frente. “Aprimora pontos da Lei de Cotas no Serviço Público após a revisão da experiência de dez anos de implementação”, disse Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento.
“É crucial que o texto que será votado na Câmara seja mantido como está, assegurando mecanismos que garantam a convocação dos candidatos cotistas efetivamente, mais segurança jurídica e transparência de dados”, afirmou Moreira.
Por que isso importa
Porque os dados acima mostram que o Brasil tem avançado em promover uma representatividade mais equânime dos negros no funcionalismo. Também mostram, porém, que há uma série de questões a serem melhoradas. Os 10 anos de vigência da lei que estabelece uma cota de negros no funcionalismo federal coincidem com um avanço discreto na representatividade e com uma série de “dribles”, como identificam os estudos revisados pelo Movimento Pessoas à Frente. Os avanços até agora são discretos. É necessário que mais pessoas negras estejam presentes em cargos relevantes e é preciso que as políticas consigam se antecipar a eventuais problemas de aplicação. Não há solução simples para algo que deixou de ser tratado por tanto tempo no país.