Após 25 anos, líderes do Mercosul e União Europeia concluíram, na sexta-feira (6), as negociações do acordo entre os blocos. O tratado, que envolve a formação da maior área de livre comércio do mundo, busca, principalmente, diversificar as parcerias comerciais do Brasil e promover um maior fluxo de investimentos. A expectativa é que o acordo fomente o comércio, impulsione economias e alinhe padrões regulatórios entre os blocos.
Para especialistas ouvidos pelo R7, o pacto força uma reorganização do mercado, que promoverá, em prazos diferentes, benefícios para todos os países-membros. Segundo o economista e doutor em relações internacionais Igor Lucena, o tratado não traz vantagens ou desvantagens para um país em si, mas sim para setores econômicos específicos.
“Historicamente, acordos desse tipo impactam mais negativamente os setores menos produtivos. No caso do Brasil, a indústria de transformação, como a automobilística, de autopeças e de tecnologia, pode enfrentar dificuldades para competir com os produtos importados da Europa. Isso exigirá um avanço significativo na capacidade produtiva desses setores. Por outro lado, o setor agropecuário da União Europeia, menos produtivo, também precisará aumentar sua eficiência”, explicou.
Uma pesquisa divulgada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em dezembro do ano passado indicou que o acordo poderia gerar ao Brasil um crescimento de 0,46% no PIB entre 2024 e 2040 – o equivalente a US$ 9,3 bilhões a preços constantes de 2023. Entre os países participantes, o Brasil poderia ter ganhos maiores que os da União Europeia e demais nações do Mercosul.
“O acordo aumentaria os investimentos no Brasil em 1,49%, na comparação com o cenário sem a parceria. Nesse sentido, a exemplo do PIB, o Brasil também teria vantagens substancialmente maiores do que a União Europeia (0,12%) e os demais países do Mercosul (0,41%)”, apontou o instituto.
Apesar disso, o especialista em comércio exterior Wagner Parente explica que a conclusão das negociações reflete no reconhecimento do equilíbrio nas concessões de abertura de mercado entre os países. Do ponto de vista comercial, enquanto a desgravação de tarifas estiver em curso, Parente aponta que o Mercosul deve ser o maior beneficiado nos primeiros 15 anos.
“Em contrapartida, a UE projeta uma queda de US$ 3,44 bilhões no mesmo período, compensada em parte por um aumento nos fluxos financeiros”, comentou. O analista disse, ainda, que no Mercosul, incluindo Paraguai, Uruguai e Argentina, os ganhos setoriais expressivos no agronegócio e o aumento das importações podem seguir uma dinâmica semelhante ao Brasil.
“No caso argentino, cabe destacar o ganho nas exportações de minerais, como lítio e outros estratégicos, devido às suas reservas significativas. Por outro lado, as importações também devem crescer em bens de maior valor agregado, como maquinário e automóveis, além de serviços europeus e aumento nas participações em compras públicas”, disse.
O tratado propõe zerar as tarifas para 91% dos produtos exportados pelo Mercosul para a União Europeia e para 95% das exportações do bloco europeu para os sul-americanos. As mudanças seriam feitas ao longo de um período de transição, de 10 a 15 anos, a depender do setor. Também estão previstas a redução de tarifas alfandegárias e o aumento de exportações, especialmente no setor agrícola, no qual o Mercosul tem vantagens competitivas.
Entraves enfrentados
Por anos, o acordo enfrentou entraves, principalmente no que se diz respeito aos desafios estruturais para tentar harmonizar interesses tão distintos. O especialista em relações internacionais Guilherme Frizzera explica que, antes do consenso entre os países, o Mercosul e União precisaram lidar com condicionantes como impactos no agronegócio e exigências ambientais.
“Enquanto o Mercosul busca ampliar o acesso ao mercado europeu para produtos agrícolas e commodities – áreas onde os países sul-americanos têm vantagens competitivas –, a União Europeia tenta proteger seus setores mais sensíveis, como agricultura, ao mesmo tempo em que busca expandir mercados para sua indústria, especialmente os setores automotivo, farmacêutico e químico”, disse Frizzera.
Relação com a China
Atualmente, a China é o principal parceiro comercial do Brasil. De janeiro a outubro de 2024, a parceria entre os países gerou US$ 136,3 bilhões. As exportações brasileiras alcançaram US$ 83,4 bilhões, e as importações, US$ 52,9 bilhões, um superávit de US$ 30,4 bilhões.
No contexto entre Brasil e China, apesar do acordo negociado fortalecer a parceria com os europeus, especialistas entendem que o tratado não vai interferir na relação com os chineses. “Embora o mercado europeu, com cerca de 500 milhões de habitantes, seja menor que o chinês, que ultrapassa 1 bilhão, a renda média dos europeus é superior, o que abre oportunidades de crescimento” explica Lucena.
Igor diz, ainda, ser “improvável” que a China perca sua posição como maior parceiro comercial do Brasil. “Contudo, o acordo deve aumentar significativamente a presença das exportações brasileiras na União Europeia e ampliar nossa participação no comércio internacional. Essa diversificação é estratégica para o Brasil. Dependência excessiva do mercado chinês pode ser arriscada, especialmente se a China enfrentar uma crise econômica. Expandir exportações para a União Europeia, Estados Unidos ou Sudeste Asiático é essencial para fortalecer a economia brasileira a longo prazo”, disse.
Em concordância, Parente afirma que o acordo pode fortalecer o vínculo com um grande mercado consumidor e reduzir a dependência das exportações agrícolas para o mercado chines. “Como o Acordo é de associação entre os dois blocos, o tratado deve criar um ambiente geopolítico em que a China precise oferecer condições mais atrativas do que a UE, favorecendo a barganha brasileira”, comentou.
Próximos passos
Apesar da conclusão das negociações, o acordo ainda não foi assinado pelos países. Segundo o governo federal, o texto ainda depende do processo de revisão legal e tradução. Após a assinatura, o tratado passará por procedimentos de cada parte para aprovação interna. No caso do Brasil, o tratado será submetido à aprovação pelo poder legislativo.
Com isso, poderá ser ratificado por cada uma das partes, permitindo a entrada em vigor. Os efeitos jurídicos começam a ser produzidos no primeiro dia do mês seguinte à notificação da conclusão dos trâmites internos. “Como o acordo Mercosul-UE estabelece a possibilidade de vigência bilateral, bastaria que a UE e o Brasil – ou qualquer outro país do Mercosul – tenham concluído o processo de ratificação para a sua entrada em vigor bilateralmente entre tais partes”, informou o governo.
*R7