Segunda-Feira, 02 de junho de 2025
Segunda-Feira, 02 de junho de 2025
O Congresso aprovou nesta semana a primeira parte da regulamentação da reforma tributária e um dos destaques é que as carnes de boi, frango, porcos e bodes e cabras terão alíquota zero dentro da cesta básica nacional.
O texto ainda precisa ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode vetar trechos da proposta. Lula, no entanto, já tinha se manifestado a favor da inclusão das carnes na cesta básica, ainda que a equipe econômica do governo não concordasse (saiba mais ao fim da reportagem).
Nada muda agora: a reforma tributária só vai ser totalmente implementada em 2033, depois de uma transição gradual que vai começar em 2026.
Até por isso, economistas e tributaristas entrevistados pelo g1 entendem que não dá para afirmar que a carne vai ficar mais barata apenas por ser parte da cesta básica na reforma.
Afinal, o preço da proteína não é decidido só por impostos: também pesam outros fatores, como o dólar, se existe mais ou menos oferta de carne no mercado e também a renda do consumidor. Até os eventos climáticos, como a seca, têm feito o alimento encarecer. Entenda mais abaixo.
Atualmente, as carnes já são isentas de impostos federais, como o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
A cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é um tributo estadual, e do Imposto Sobre Serviços (ISS), municipal, pode variar de acordo com a localidade.
Com a reforma tributária, todos esses impostos serão unificados. Para Cristiano Correa, professor de finanças do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec-SP), o objetivo não é baratear os produtos, mas tornar uma tributação complexa em algo simples.
A tendência geral é que o imposto zerado para carnes se reflita preço final e, consequentemente, beneficie o consumidor, diz Victoria Rypl, da Andersen Ballão Advocacia e especialista em direito tributário.
Mas os empresários não são obrigados a repassar a isenção do imposto porque o tributo é um custo, assim como os materiais comprados para fazer o produto, o transporte, etc, complementa a advogada e professora de direito tributário na FGV-Rio Bianca Xavier.
“Ele pode passar a redução do custo tarifário para o consumidor e diminuir o preço final do produto ou pode manter o preço e aumentar o seu lucro, já que seu custo foi menor”, explica.
Ainda que haja repasse, em localidades onde o imposto é menor atualmente, essa isenção não deverá causar tanto impacto no preço final, avalia Cícero Zanetti, doutor em economia aplicada e pesquisador do FGV Agro.
Rypl entende que pode existir impacto maior no estado de São Paulo, onde a tributação é mais alta.
“Em São Paulo, por exemplo, é cobrado um ICMS de 11% sobre as carnes comercializadas para o consumidor final dentro do estado e 7% para as que saem do estado. Com a reforma e a isenção, provavelmente o seu preço vai diminuir”, diz a tributarista.
Para os entrevistados, o imposto pesa menos do que outros fatores no preço da carne. E é difícil prever os cenários para quando a reforma estará totalmente implementada, em 2033.
A carne vem sofrendo seguidas altas atualmente. Em novembro, o preço subiu pelo terceiro mês consecutivo, acumulando uma inflação de 15,43% nos últimos 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
"Hoje, o que faz o preço da carne ter esse preço é uma série de outros fatores", diz Correa, do Ibmec-SP.
Os principais fatores que levaram ao encarecimento foram uma oferta menor do produto frente a uma demanda maior da população, além das secas e queimadas, que prejudicaram os pastos.
A menor oferta pode ser explicada por dois fatores principais.
Efeito dólar
O dólar alto faz com que o mercado externo se torne mais atraente para os produtores, pontua Correa. “É uma matemática muito simples: o exportador vai preferir vender para quem vai pagar mais”.
Ciclo de abates
Existem períodos em que se abate mais ou menos gado. Esse ciclo é formado, basicamente, por duas fases:
Apesar de o imposto zerado não significar que a carne vai ficar mais barata do que é hoje, ela pode se tornar mais em conta na comparação com outros produtos no supermercado, explica Zanetti, do FGV Agro.
Isso porque alimentos que estarão fora da cesta básica e da lista de redução de 60% do imposto (caso do camarão, por exemplo) vão ser taxados 26,5%.
Correa, do Ibmec, acredita que, mesmo se a carne ficar um pouco mais barata com a isenção, a elevação dos preços de outros alimentos deve deixar o sistema equilibrado. Assim, o poder de compra do consumidor deve ser manter similar ao que é hoje.
"A pessoa que hoje não consegue comprar uma picanha, muito provavelmente vai continuar não conseguindo comprar", afirma.
“A grande questão é que, se as carnes não tivessem ficado isentas, se não tivessem entrado na cesta básica, nós poderíamos ter um aumento dos preços”, avalia Fernando Henrique Iglesias, analista da consultoria Safras & Mercado.
Até meados deste ano, a proposta da reforma tributária previa uma alíquota reduzida, de 10,6%, no imposto sobre as carnes. Mas, em julho, a Câmara dos Deputados incluiu a isenção das proteínas.
Segundo cálculos da consultoria, se as carnes fossem tributadas como no projeto original, poderia haver um aumento de 9% a 10% no preço do produto para o consumidor.
A carne foi um dos principais pontos de impasse na discussão da reforma pelo Congresso ao longo dos últimos meses.
Inicialmente, o grupo de trabalho que relatou a regulamentação não incluiu a proteína animal na cesta básica. O Ministério da Fazenda era contra a entrada, alegando que isso teria um impacto alto nas contas públicas e na alíquota do imposto unificado.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, defendeu a isenção. "Sou daqueles que vou ficar feliz se eu puder comprar carne sem imposto, prometi na campanha que o povo ia voltar a comer picanha e tomar cerveja", disse Lula, em julho, pouco antes da votação da proposta.
O PL, maior partido da oposição, pediu que esse item fosse votado separadamente no plenário da Câmara. Diante de uma iminente derrota, o governo cedeu e acatou a inclusão do item na cesta.
*G1