Quarta-Feira, 17 de dezembro de 2025
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O bloqueio americano a petroleiros ligados a alvos de sanções americanas ocorre em meio a conflitos diplomáticos e reforça o peso do petróleo na economia venezuelana.
Equipamentos com logo da PDVSA, empresa estatal venezuelana de produção de petróleo, em imagem registrada em Lagunillas, Venezuela. (Imagem: Isaac Urrutia/Reuters/Foto de arquivo)
O cerco dos Estados Unidos à Venezuela, com o bloqueio total a petroleiros ligados a alvos de sanções na terça-feira (16), marca mais um episódio da escalada de tensões entre os dois países, que vem se intensificando nas últimas semanas. O petróleo é um dos elementos centrais dessa disputa.
A Venezuela detém cerca de 17% das reservas mundiais conhecidas de petróleo, o equivalente a mais de 300 bilhões de barris — um volume quase quatro vezes superior ao dos Estados Unidos, segundo estimativas de órgãos internacionais do setor energético.
Publicamente, a Casa Branca afirma que as medidas fazem parte de uma estratégia para conter o narcotráfico e atividades ilícitas.
Nos bastidores, no entanto, analistas apontam que o acesso às vastas reservas petrolíferas venezuelanas é uma prioridade estratégica para Washington, especialmente em um contexto de rearranjo do mercado global de energia.
Entenda o mercado de petróleo venezuelano e os impactos na economia do país.
A Venezuela concentra a maior reserva comprovada de petróleo do planeta, com capacidade estimada em cerca de 303 bilhões de barris, de acordo com a Energy Information Administration (EIA), órgão oficial de estatísticas energéticas dos Estados Unidos.
Esse volume coloca o país à frente de grandes produtores como Arábia Saudita (267 bilhões de barris) e Irã (209 bilhões). Boa parte do petróleo venezuelano, porém, é do tipo extrapesado, o que exige tecnologia avançada e investimentos elevados para sua extração.
Segundo a Statistical Review of World Energy, publicação anual do Instituto de Energia (EI), a produção de petróleo da Venezuela despencou ao longo das últimas décadas. O país saiu de um pico de 3,7 milhões de barris por dia em 1970 para um mínimo de 665 mil barris por dia em 2021.
No ano passado, a produção apresentou uma leve recuperação, voltando para algo próximo de 1 milhão de barris por dia, o que representa menos de 1% da produção global de petróleo.
O petróleo moldou a economia venezuelana ao longo do século 20. Após grandes descobertas nas décadas de 1920 e 1930, o país rapidamente se tornou um dos maiores produtores do mundo e, em 1960, ajudou a fundar a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Em 1976, o governo nacionalizou a indústria petrolífera e criou a PDVSA, transformando o setor em um monopólio estatal. Nas décadas seguintes, durante os governos de Hugo Chávez, grande parte da renda do petróleo foi para programas sociais, reduzindo outros investimentos na economia.
Como resultado, entre 1998 e 2019, mais de 90% das exportações venezuelanas vinham do petróleo. Quando a produção caiu, o país também passou a enfrentar sanções internacionais, aprofundando a crise econômica.
A queda brusca nas receitas do petróleo também ajudou a provocar uma explosão da inflação na Venezuela.
Segundo dados oficiais do Banco Central do país, em 2019 os preços dispararam 344.510% em um ano — o que significa que produtos que custavam 1 unidade monetária passaram a custar cerca de 3.400 vezes mais no período.
Os Estados Unidos mantêm uma relação histórica com o petróleo venezuelano desde os anos 1920. Na década de 1930, o país sul-americano já atraía grandes companhias estrangeiras, principalmente dos EUA e da Europa.
Com o avanço das sanções, essa presença diminuiu drasticamente. Hoje, a Chevron é a única empresa americana operando na Venezuela, graças a uma autorização especial concedida por Washington, apesar das restrições impostas ao país.
A estatal PDVSA, que no passado garantia a entrada de dólares na economia venezuelana, passou a sofrer cortes no próprio orçamento, interrompendo ciclos de manutenção e investimentos, o que agravou ainda mais a queda da produção.
Em 2002, a nomeação do economista Gastón Parra para a presidência da empresa gerou forte reação interna.
O conflito culminou em uma greve que paralisou a companhia por cerca de dois meses e resultou na demissão de aproximadamente 20 mil funcionários, alterando profundamente a estrutura da estatal.
Apesar das dificuldades, o petróleo segue sendo o pilar econômico da Venezuela. Segundo a Reuters, em 2024 a PDVSA faturou cerca de US$ 17,5 bilhões com exportações, com produção média pouco acima de 800 mil barris por dia.
Antes do endurecimento das sanções em 2019, os EUA eram os principais compradores do petróleo venezuelano. Após as restrições, a Venezuela passou a direcionar exportações para a China, em acordos de petróleo em troca de empréstimos, aprofundando a disputa geopolítica na região.
A produção e exportação de petróleo continuam sendo fundamentais para o desempenho econômico do país. Estimativas baseadas em dados da PDVSA e da Reuters indicam que as exportações de petróleo responderam por cerca de 58% da receita da estatal em 2024.
No mesmo ano, a estatal faturou US$ 17,52 bilhões com exportações de hidrocarbonetos (área que envolve a produção e venda de petróleo e gás), dos quais US$ 10,41 bilhões foram pagos ao Tesouro venezuelano em impostos e royalties, segundo informações da agência Reuters.
Dados oficiais indicam que a economia venezuelana cresceu 7,71% no primeiro semestre de 2025, com base em um boletim especial do Banco Central da Venezuela (BCV), impulsionada principalmente pelo setor de hidrocarbonetos, que avançou quase 15% no período.
O boletim mais recente da instituição indica que o PIB venezuelano cresceu 8,71% no terceiro trimestre de 2025, na comparação com o mesmo período de 2024. No intervalo, a atividade petrolífera avançou 16,12%, enquanto a atividade não petrolífera registrou alta de 6,12%.
No entanto, essa dependência também gera vulnerabilidade. Um estudo do Instituto Tricontinental, com base em dados da Global South Insights, estima que as sanções lideradas pelos Estados Unidos causaram perdas de cerca de US$ 226 bilhões em receitas petrolíferas para a Venezuela entre 2017 e 2024 — valor superior ao próprio PIB venezuelano, hoje estimado em US$ 108,5 bilhões.
Apesar de concentrar uma das maiores riquezas naturais do mundo, a Venezuela permanece entre as menores economias da América Latina, com sua trajetória fortemente condicionada ao petróleo e às tensões geopolíticas.
*G1