Sábado, 21 de setembro de 2024
Sábado, 21 de setembro de 2024
Peixes morrem nos viveiros, rios e poços para irrigação estão secando e frutos não se desenvolvem mais: essas são algumas das consequências sentidas no campo da Região Norte do país, que enfrenta neste ano a pior seca desde 1980.
Os estados atingidos são Amazonas, Pará, Acre e Amapá. No Nordeste, Maranhão, Piauí, Bahia e Sergipe também têm prejuízos.
Além da queda de produção, agricultores relatam dificuldade para escoar o que dá para colher, devido à baixa dos rios e a obstáculos na estrada, como queda de ponte, diz Jorge Luiz do Santos, presidente da Associação de Produtores Orgânicos Renascer do Careira da Várzea, no Amazonas.
Sem a produção esperada para a venda, os agricultores e criadores já temem a falta de renda.
A estiagem recorde tem deixado diversos rios estratégicos para a região com vazões (volumes) abaixo da média histórica. Trechos de rios importantes, como o Negro e o Solimões, formadores do rio Amazonas, estão sendo afetados.
"Então, a situação está triste. A gente sorri para não chorar. E também não podemos jogar a toalha, a gente tem que ir para luta. A gente vai lutar até o final. Iniciamos o plantio novamente, plantamos a nossa verdura", completa o agricultor.
De 80 agricultores da Associação dos Produtores Rurais de Autaz Mirim (Aspram), no Amazonas, apenas 4 conseguiram irrigar as suas plantações depois que rios e poços secaram. Um produtor perdeu cerca de 15 mil pés de mamão.
Produtor no Pará perdeu 30 mil abacaxis por causa da seca que atinge o Norte do país. — Foto: Arquivo pessoal.
Ele relata que as perdas começaram faz 2 meses e que os animais também sofrem. O gado morre atolado tentando chegar às margens dos rios, mas não consegue.
Isso acontece porque, conforme o rio vai secando, algumas partes ainda ficam úmidas, causando a lama, e nem todos os animais estão acompanhados de um cuidador, aponta João Alacy, técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).
No Pará, o produtor José da Silva, de Mojuí dos Campos, perdeu 30 mil abacaxis, que não cresceram por causa da falta de água. Os poucos pés que se desenvolvem competem com os animais que recorrem à fruta para ter algo para beber.
Nem dentro da água dá para escapar: os peixes estão morrendo por causa da temperatura nos viveiros em Macapá, no Amapá, relata João Alacy, que também é engenheiro de pesca.
A temperatura ideal para as espécies criadas no estado, que são o tambaqui, o pirapitinga e os híbridos - subespécies resultadas de cruzamentos de outras espécies -, é entre 26°C e 30°C, mas tem chegado aos 35°C.
Apenas em um dos criadores que Alacy atende mais de 3 mil peixes morreram e nenhum pode ser aproveitado para a comercialização, já que os sobreviventes não atingiram o peso exigido pelo mercado.
Na imagem a seguir, cada ponto branco marcado, segundo ele, é um peixe morto dentro da água.
Peixes morrem em viveiro por alta temperatura da água. — Foto: Arquivo Pessoal.
Além disso, o esvaziamento dos poços impede que os piscicultores troquem a água dos viveiros para receberem novos peixes. A medida é essencial para que eles tenham um ambiente de qualidade e limpo. Sem isso, o trabalho fica parado.
Água de viveiro de peixes está com nível baixo por causa da seca que afeta o Norte do país — Foto: Arquivo Pessoal
Além da seca, os produtores também têm sofrido com as queimadas. Na associação de Careira da Várzea, alguns produtores chegaram a perder tudo.
Em Autaz Mirim, rebanhos tiveram que ser retirados às pressas do campo para fugir do fogo.
Queimadas atingem municípios ao longo da AM-070. — Foto: Karla Mendes/Rede Amazônica
As temperaturas acima da média somadas às chuvas abaixo do esperado aumentam o risco de queimada na região, aponta Cunha.
Há ainda o agravante do fogo que é colocado por pessoas e se espalha entre as produções.
Esse quadro extremo é causado pela junção das altas temperaturas com a falta de chuva na Região Norte que, apesar de normalmente ter períodos de seca, ela está pior do que o normal, informa a pesquisadora Ana Paula Cunha.
Ela é especialista em secas e agrometeorologia do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
A estiagem recorde está relacionada à combinação de dois fatores que inibem a formação de nuvens e chuvas: o fenômeno El Niño (que é o aquecimento do Oceano Pacífico) e a distribuição de calor do Oceano Atlântico Norte.
Existe 95% de probabilidade de um El Nino moderado durar até março de 2024, aponta a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA).
"E, se as temperaturas continuarem elevadas no Atlântico Norte, a situação irá piorar, especialmente até ao início do próximo ano", pontua a especialista do Cemaden.
Além disso, é esperado um aumento das queimadas e que o setor da agricultura familiar seja bastante impactado, principalmente, entre o final do ano e o início de 2024, seguindo o Calendário Agrícola da região, diz.
*G1