Com quase duas décadas de carreira, Johnny Massaro está vivendo seu primeiro protagonista de uma trama do horário nobre - Daniel, o mocinho de Terra e Paixão, na qual vive o filho de Gloria Pires e Tony Ramos, meio-irmão de Caio (Cauã Reymond), com quem lutará pelo amor de Aline (Bárbara Reis). O papel é um marco não só na trajetória de Johnny, mas para a dramaturgia e a sociedade, com um ator membro da comunidade LGBTQIAP+ vivendo o mocinho da novela das 9, como ele mesmo diz.
"Existe a sensação de estar a serviço da obra e da história. Então, com distanciamento, eu vejo essa pessoa, esse Johnny, que tem um relacionamento com um cara [o ator não está mais namorando], que é assumidamente gay, e que tem a oportunidade de estar neste lugar de protagonista", pondera. Nem sempre foi assim. "Há cinco anos isso seria impossível", admite.
O papel de protagonista foi algo para o qual Johnny trabalhou. "Fiz muitas escolhas conscientes durante a minha trajetória para que isso acontecesse. É claro que eu dependo muito de um milhão de fatores", diz. "Mas dentro dessa loucura eu estou bastante feliz com oportunidade e muito animado", conta ele, que não esconde a empolgação ao falar dos colegas de cena, sobretudo Tony e Gloria.
Johnny Massaro como Daniel, Gloria Pires como Irene e Tony Ramos como Antônio, em 'Terra e Paixão' — Foto: Globo/João Miguel Júnior
"Tanto Tony como a Gloria estão aí há muito tempo e você vê o quanto ele se importam e por isso que eles são grandes: porque eles realmente querem fazer ainda mais e sempre o melhor que eles podem. Eles não estão sentados no trono", avalia o ator, que adianta que Daniel não é um mocinho típico. "Apesar de Daniel ter um coração maravilhoso - ele pensa com coração e tudo mais – ele vai passar por situações em que, às vezes, vai precisar mentir, trair", avisa.
Esse é seu primeiro protagonista em uma novela das nove. Era algo com que você sonhava para sua carreira? Este momento faz bastante sentido quando eu autoanaliso a minha trajetória. Fiz alguns protagonistas, muitos no cinema, outras coisas televisão, como Meu Pedacinho de Chão e Amor te Ama. Sentia muito desejo de poder desempenhar essa função, porque eu acho que é uma função mesmo dentro de uma estrutura de novela das 9. Tanto pelo desafio que é gravar todos os dias de segunda a sábado, com várias frentes, como pela dimensão que uma novela das 9 tem e me parece muito diferente de outros trabalhos. Então eu estava muito instigado por esse desafio e por esse momento.
Como você trabalhou para esse objetivo? Fiz muitas escolhas conscientes durante a minha trajetória para que isso acontecesse. É claro que eu dependo muito de um milhão de fatores: alguém olhar para mim, achar que eu posso, achar que esta é a hora, tem uma questão de perfil e fisicalidade. Mas dentro dessa loucura eu estou bastante feliz com oportunidade e muito animado.
Caio (Cauã Reymond) e Daniel (Johnny Massaro): irmãos em 'Terra e Paixão' — Foto: João Miguel Junior/TV Globo
Como é viver um mocinho? O barato não só do Walcyr, mas de certa forma da dramaturgia contemporânea, é que as coisas não serem tão definitivas assim. Os personagens são cada mais humanos e isso gera mais interesse do que uma coisa muito chapada, tipo 'esse é o mocinho'. Quando penso no Daniel não penso nessa nesse termo 'mocinho’, embora eu saiba que dramaturgicamente ele tem essa função. Como ator eu tento desafiar esse lugar do mocinho e apresentar contradições porque todos nós temos contradições.
Ele é o personagem ético da trama... Mesmo assim, e isso que é o barato, mesmo com essa função de representar ética, vão se apresentando situações para ele onde sua própria ética tem que ser flexibilizada porque a vida é soberana. Apesar de Daniel ter um coração maravilhoso - ele pensa com coração e tudo mais – ele vai passar por situações em que, às vezes, vai precisar mentir, trair. Como é um personagem ético, isso tudo vai gerar dentro dele questões éticas. Daniel vai sofrer com as consequências dessas escolhas mais mal feitas. E isso é interessante para mim.
Essa é a primeira vez que temos um ator que assumidamente gay vivendo um protagonista hétero em uma novela das 9. E isso é um marco muito importante para a comunidade LGBTQIAP+, algo que seria impensável há cinco anos...? Eu acho isso maravilhoso, acho isso é incrível, porque é verdade, a gente não está falando de vinte anos atrás, mas há cinco anos isso era impossível. Eu vivi durante muitos estágios da minha carreira essa dificuldade de 'eu sou isso e não posso necessariamente falar sobre isso'. Então durante muito tempo eu precisei ser desonesto, mas não porque eu queria, mas em um sentido de autoproteção: preciso de certa forma omitir algo ou performar algo para que isso não afete o que eu tenho de mais de precioso que é o meu trabalho. O trabalho me deu tudo que eu tenho mesmo: a maioria das minhas relações, das minhas experiências, a minha realidade financeira. Eu dou muito valor a tudo isso. E eu precisava proteger [isso], mas chega um momento que você fala 'cara, mas peraí, talvez na verdade o meu trabalho, fique ainda à frente ou posso viver ele com ainda mais dignidade se eu não precisar mentir na vida.
Triângulo amoroso de 'Terra e Paixão' é formado pelos atores Cauã Reymond, Bárbara Reis e Johnny Massaro — Foto: João Miguel Junior/TV Globo
E você começou muito cedo... Eu sou ator desde muito novo, comecei com 12 anos em uma época que não tinha Instagram, não tinha YouTube, não tinha redes sociais, não tinha nada. Para a criança que eu era, mais de vinte anos atrás, eu quis se ator porque eu via aquilo acontecendo na televisão, queria fazer parte daquilo de alguma forma. Eu sinto que tem algo nessa personalidade que constituí, esse tal Johnny, que é muito bruto no sentido do ofício são escolhas que eu não tinha necessariamente consciência porque eu era uma criança mesmo. Então gosto de pensar que tem algo que constitui a minha personalidade que se conecta muito ao ofício do ator e que independe necessariamente dos meus desejos.
Como assim? É algo que constitui a minha personalidade, que eu vim com. Estou falando isso por quê? Eu tento geralmente quando possível trabalhar o distanciamento de mim mesmo, me olhar um pouco de fora e perceber que eu estou também no jogo da vida, tentando entender a vida que está ali me levando para outros lugares. Eu sinto que existe a sensação de não ser o cavaleiro, ser o cavalo, estar a serviço da obra e da história. Então, com distanciamento, eu vejo essa pessoa, esse Johnny, que tem um relacionamento com um cara, que é assumidamente gay, e que tem a oportunidade de estar neste lugar de protagonista.
O que mudou? Eu não acho necessariamente que todo mundo precisa falar sobre tudo. As pessoas têm que estar confortáveis para falar sobre o que querem. Mas chegou um momento em que achei que era interessante, que seria o momento de falar 'cara, vamos ver no que dá'. E aí felizmente a gente está em um momento que dá, que dá para um protagonista de novela das 9 namorar com um cara e tudo bem. Isso é importante por si, independentemente de mim. É importante que isso aconteça e não só no âmbito LGBTQUIAP+, mas em todos. Cada vez mais isso vai ser a realidade, porque existem tantas existências, e o próprio ofício do ator é um ofício de deslocamento. Essa é brincadeira né? Imagina, se eu fizer um assassino, tenho que matar alguém? Se eu for beijar uma mulher eu tenho que me relacionar com ela? O é justamente esse. O que mais me agrada mesmo é entender que isso é importante que aconteça, independente de mim, de quem seja é importante que isso que isso exista.
Johnny Massaro — Foto: Reprodução/Instagram
É um avanço geral da sociedade. Sim. O que eu acho tão maravilhoso é que embora tenha sido esse horror nos últimos anos [do governo federal anterior], o horror também dá o parâmetro do oposto, porque foi tão horrível que a gente entendeu tudo que a gente não queria e não era em algum lugar. E agora a gente está em outro lugar, e sem a perspectiva do ruim não consegue entender o que é o bom.. A gente sempre pode olhar de outra forma para a situação
Como é ser filhos de Gloria Pires e Tony Ramos na ficção? Zerei o jogo, né? (risos) Quando você fez essa pergunta instantaneamente me abriu um sorriso aqui na boca, porque é muito gostoso ir todo para o Projac e encontrar Glória Pires Tony Ramos, Débora Osório, Cauã, Bárbara... Tem muito a sensação que todo mundo que fala isso de todo o trabalho, mas, verdadeiramente está sendo muito muito prazeroso. Com essa galera é uma alegria.
Antonio LaSelva (Tony Ramos) é casado com Irene (Gloria Pires), com quem teve dois filhos Daniel (Johnny Massaro) e Petra (Debora Ozório). Antônio também é pai de Caio (Cauã Reymond), do primeiro casamento — Foto: João Miguel Junior/TV Globo
E o dia a dia? Admiro muito a Gloria e o Tony, todo o núcleo ali. Estar perto da intimidade dessas pessoas, que você olha no olho, conversa.. Aí você você entende que ‘caramba, essas pessoas também passam pelas mesmas coisas que eu passo’. Tanto Tony como a Gloria estão aí há muito tempo e você vê o quanto ele se importam e por isso que eles são grandes: porque eles realmente querem fazer ainda mais e sempre o melhor que eles podem. Eles não estão sentados no trono de ser quem são. É uma oportunidade muito foda, desculpa não dá usar outra palavra, mas é uma oportunidade muito foda de aprender muito e poder chamar ele de colegas de cena.
São generosos? Nossa, tudo que dizem de Tony e Gloria, é tudo verdade. É incrível, é incrível.
Terra e Paixão mostra um pouco do lado ruim do agronegócio e das disputas de terra no campo. Qual o seu entendimento sobre esse tema hoje? A gente usa o contexto ali do agronegócio como pano de fundo da nossa novela e, o que eu sinto, é que é uma realidade inevitável, muito importante e que movimenta muito dinheiro e muito trabalho. Eu estive ali Mato Grosso do Sul e, percebi a dimensão da indústria do agronegócio. É complexo pensar em tudo desse universo, mas acho fundamental falar sobre ele.
Não é simples falar sobre o assunto... É uma realidade, não tem como voltar atrás nesse sentido. Mas acredito que temos que pensar com mais responsabilidade sobre como essa dinâmica entre o agronegócio e sustentabilidade, porque ao mesmo tempo não adianta desmatar desmatar, desmatar, desmatar porque daqui a pouco a conta vai chegar e a gente não tem outro planeta para ir. A terra é tão maravilhosa e oferece tanto em tudo para a gente. É uma questão realmente de consciência, como a gente tem que ter com tudo.
Como você vê esse tema hoje? É uma questão de escala assim no final das contas. Quando você vê aquelas toneladas de grãos guardadas e todos aqueles quilômetros de plantação, percebe que tem uma demanda mundial. Pelo tamanho dela, por exemplo, não pode ser feita sem o que eles chamam de defensivos e outras pessoas de agrotóxico, porque não tem como você mandar para a China sem colocar alguma espécie de química naquilo para durar, os insetos não comerem...
Acredita que existe solução? Então ou a gente redimensiona a proporção das coisas, ou a gente segue e entende que é isso. De novo: toda ação vai ter uma consequência e com certeza em algum momento vamos viver as consequências de todas as atitudes que estamos tomando como indivíduos ou enquanto sociedade coletiva. Temos que cada vez conseguir cada vez mais reunir consciência para fazer as melhores escolhas e continuar caminhando enquanto a humanidade nos melhores passos.