Aguarde. Carregando informações.
Entretenimento

Piovani: 'Me constrange ver colegas com tanta potência sem fazer nada'

Piovani: 'Me constrange ver colegas com tanta potência sem fazer nada'

(Imagem: Faya)

Vulnerável: assim Luana Piovani se mostrou a Marie Claire durante as duas horas de entrevista por videochamada concedida de Cascais, cidade litorânea da região Metropolitana de Lisboa, onde vive desde 2019. Ao longo da conversa, caminhou pelos cômodos de sua casa enquanto verbalizava insatisfações com o que tem vivido na Justiça portuguesa: “Essa máquina de moer mãe”.

É provável que você já tenha lido ou ouvido sobre os mais recentes capítulos da vida íntima de Luana; em todo o caso, vale relembrar o seu martírio: desde o fim de 2022, ela e o ex-marido, o surfista Pedro Scooby, cravam embates judiciais no Brasil e em Portugal. No primeiro, o surfista buscou a guarda compartilhada de Bem, Liz e Dom, os três filhos do ex-casal, e uma revisão da pensão paga por ele. Em agosto de 2023, após dez sessões com uma mediadora, chegou-se a um acordo, que não foi divulgado em detalhes, mas terminou com o filho mais velho decidindo morar com o pai.

Já no segundo momento, em um processo aberto na Justiça de Portugal em janeiro de 2023, foi pedido que Luana parasse de mencionar o nome do ex-marido e expor os filhos em qualquer publicação – em entrevistas ou mesmo em suas redes sociais. O descumprimento dessas proibições implicaria multa de € 2,5 mil a cada menção. No último abril, ela foi derrotada e acumulou o valor de aproximadamente € 17,5 mil a ser pago para o ex.

O litígio não só marcou a imagem pública de Luana, como pautou sua agenda e é, hoje, posicionado por ela como causa. Se ia viver os efeitos de um longo processo movido contra ela pelo ex-marido, não passaria por isso em silêncio – ainda mais agora, sabendo do fator misógino desse tipo de embate. “Eu poderia ter perdido e ficado calada, mas não aguento. Alguém me ‘bateu’ e não vou gritar?”

Nesta entrevista, a atriz, apresentadora e modelo fala dos aprendizados na década dos 40 anos (ela tem 47) e do que planeja para os 50. Conta ainda de quanto tem mudado a própria visão sobre ser mulher e mãe – com a plena consciência de seus privilégios – no mundo de hoje. “Tenho tudo, né? E, ainda assim, às vezes acho que vou morrer. Não estou aqui para ser mártir de ninguém, mas me permito sentir a minha dor.”

MARIE CLAIRE Por que uma voz como a sua pode fazer diferença para as mulheres? Luana Piovani Há poucas como eu. Inclusive, me constrange olhar para o meu meio e ver colegas com tanta potência e não fazendo nada. A sensação que tenho é que esse é o resultado de uma sociedade extremamente capitalista. O que vejo nesse lugar não é que as mulheres competem, é que as po - tentes estão preocupadas em ganhar muito dinheiro. E é um desperdício. Vou manter o meu microfone ligado, manter-me aos berros contra toda essa carnificina. Estarei gritando, tentando promover encontros e levar informação. É a informação que dá segurança para a sua dor, para que você possa transformá-la numa causa e vencer o lugar que te colocaram.

MC Se vê cansada? O que sente quando a sua voz começa a falhar? LP Por incrível que pareça, como toda estreia de teatro, toda vez que preciso gritar, a voz vem, mesmo falhando depois. Aprendi na raça a viver um dia de cada vez.

MC Como cuida de sua saúde mental? LP Vou fazer 48 e graças a Deus o entendimento é cada vez maior. Hoje, entendo que junto comigo vem o movimento da própria vida. Me sinto cada vez mais leve, com muita análise e terapia. Sempre tive clareza de que a minha vida foi feita para eu não ter nenhum tipo de conflito, que era para ser o filme da Barbie, mas nunca acreditei nessa fantasia.

MC Você já falou mais de uma vez que se mudou do Brasil porque estava infeliz no país. O que quebrou seu encanto? LP Aqui a vida é uma paz, você tem tempo de pensar, de viver, de ser. O Brasil me apavorava, fui assaltada de todas as maneiras, já vivi todas as violências possíveis no país. Quando tive meus três filhos, esse medo aflorou em mim, primeiro porque eu tinha esse entendimento de que a minha vida era um glamour completamente baseado em nada, falso, dentro de uma bolha, e ainda é. E segundo porque, fora dessa bolha horrorosa que vivia, sabia que as pessoas não tinham saneamento básico e isso me gerava uma crise de consciência e ansiedade o tempo todo.

O Brasil me apavorava, fui assaltada de todas as maneiras, já vivi todas as violências possíveis no país"
— Luana Piovani

MC Você parece não ter medo de expor vulnerabilidades. Quando na vida esteve mais no fundo do poço e como contornou isso? LP Aprendi que a gente sobrevive. Ainda que eu achasse que a minha corrente era a mais pesada do mundo, não é nada perto de tantas outras e é isso que me dá um boost para me recuperar. Conheço milhões de pessoas que têm pais e mães que geram trabalho, preocupação e os meus só me ajudam. Tenho informação, uma rede social potente, dinheiro para pagar advogado para me defender dessa máquina de moer mãe que é o Judiciário português. Eu tenho tudo, né? E, ainda assim, às vezes acho que vou morrer. Quando vem a dor, é sufocante. Não estou aqui para ser mártir de ninguém, mas me permito sentir a minha dor. Quando ela vem, me sento e choro.

MC Como é a relação com a sua mãe? Teve influência na sua forma de criar seus filhos? LP Impossível não ter. A minha mãe é uma gênia, o que ela recebeu da minha avó aplicou na vida dela e na minha e me entregou para eu dar continuidade. Vou ter que nascer dez vezes ainda para chegar na minha mãe. É claro que também tenho um senso crítico e vejo onde foram os excessos e falhas dela, mas são tão poucos. E depois que passei a ser mãe e me separei a entendi mais ainda.

MC O que representa a figura materna para você? LP A mãe é a dona de tudo, somos o portal para essa existência, é o maior poder concedido. É como uma supernova, como o Big Bang. Não tem nada como isso, é divino, poderoso, único, sagrado.

MC E a figura paterna? LP Não sei responder isso, é uma incógnita. Porque são tantas as figuras e a maior parte são tão frágeis, desprovidas do mínimo, que não sei definir. Tenho um pai biológico que cometeu muitos erros com a minha mãe e comigo e ao mesmo tempo tem o meu pai que, como um anjo, apareceu, se apaixonou pela minha mãe, por aquela força, uma mulher mais velha com uma filha, e me criou, me adotou. E aí penso: por que tão pouco desse exemplo está se multiplicando?

MC Como tem sido lidar com o processo entre você e seu ex-marido? LP Como o processo não acabou, continuo vivendo todas as violências do mundo, a psicológica, a processual e a patrimonial. Às vezes o acordar é um momento difícil, daí tenho que colocar as crianças na rotina e essa sensação passa um pouco. Tem dias que preciso tomar um ansiolítico, outros em que tomo um vinho ou malho, faço ioga, vou cuidando de mim. Porque sei que, apesar de estar cansada, só tenho essa máquina [apontando para si mesma] e quem cuida dela sou eu.

Luana Piovani mostrou seu lado vulnerável na entrevista do mês de Marie Claire — Foto: Faya
Luana Piovani mostrou seu lado vulnerável na entrevista do mês de Marie Claire — Foto: Faya

MC Já se sentiu sozinha na maternidade? Quando? LP Milhões de vezes e na maioria delas eu era casada. Porque o casamento era para ser um mar calmo, e é frustrante quando você olha aquele castelinho todo pronto e pensa: “Meu Deus, a pessoa não comparece ao castelinho”.

MC Carrega algum arrependimento em relação a esse casamento? LP Não dá pra ter. Fui ter filho com três meses de namoro, então uma coisa que quero falar para os outros é: conheça as pessoas antes, é importante. Mas, para além disso, tenho três pedras preciosas na mão. Até o que mais me desafia é um presente enorme.

MC Em uma entrevista em 2011, disse que sua maturidade veio com a disposição para “engolir sapos”. Ainda pensa dessa forma? LP Não consigo lidar com engolir sapo hoje. É por isso que tenho essa multa me alarmando, porque eu poderia ter perdido e ficado calada, mas não aguento. Alguém me “bateu” e não vou gritar? Mas quando somos jovens achamos que vamos mudar o mundo e depois entendemos que não. Eu tomei um “tapa na cara” e o cara nunca foi condenado a porra nenhuma.

Tem dias que preciso tomar um ansiolítico, outros em que tomo um vinho ou malho, faço ioga, vou cuidando de mim"
— Luana Piovani

MC E sobre a sua relação com o dinheiro: ele é uma prioridade? Está entre as coisas mais importantes da sua vida? LP Não, até porque se fosse, não estaria aqui dando entrevistas, batalhando… estaria me enchendo de dinheiro fazendo tudo que já me convidaram há mais de 20 anos e que eu nunca quis porque sempre achei questionável. Então nunca foi minha prioridade, respeito a minha essência, porque quero olhar pro espelho e conseguir conversar comigo.

MC Ainda assim fez muito dinheiro. O que de mais significativo você comprou com ele? LP A minha independência. Imagina se eu não tivesse dinheiro para contratar um advogado? Poderia estar voltando pro Brasil e não quero voltar. Vim aqui porque fiz uma escolha quando era casada, em conjunto, pensando no melhor bem-estar dos meus filhos.

MC Você fala com seus filhos sobre dinheiro? LP É um dos maiores desafios da minha maternidade, porque somos abastados. Então tento e falo, mas eles não vivem muito. Meus filhos estudam em escola pública e eu amo isso! Não moramos numa mansão com piscina, área de lazer com cozinha americana, não tenho carro, motorista. Dependemos de carona e meus filhos sabem disso, foi uma escolha de vida que fiz, quero que eles saibam do meu corre.

MC Faltam três anos para os 50. O que os 40 ensinaram a você? LP Que a gente [mulheres] precisa se unir para se proteger, porque o homem é uma raça desgraçada.

MC O que espera dos 50? LP Tenho um plano gigantesco. Vou lançar uma peça de teatro, voltar a desfilar no Carnaval do Rio de Janeiro, publicar um livro de fotos e talvez escrever a minha biografia. O mundo tem que estar preparado para ela, porque planejo colocar tudo o que vi.

MC E quanto à sua relação com a idade? Como tem sido envelhecer? LP Tenho uma boa relação com a idade porque, se você quer viver, esse é o exercício. Quero morrer com 104 anos. Mas sou supercrítica, olho para o espelho e vejo a minha pele, minha flacidez, e não é que me doa, mas lamento porque sou consciente, trabalhei com imagem a vida inteira.

MC Se sente bonita? LP Me sinto linda, um desbunde, me acho um monumento. Não só com a minha beleza física, mas com tudo que tenho dentro. A minha relação comigo é ótima, sou supersegura. Me dou parabéns todos os dias por ter estudado tanto, por querer evoluir e ser uma pessoa que olha ao redor e vê que não está passando fugazmente por tudo isso.

MC Você só se casou uma vez e hoje diz que não quer de novo. Por quê? LP Porque é traumático demais, é uma instituição falida no modus operandi de hoje. Se a gente não tratar a outra pessoa com respeito e entender que o tamanho do outro tem que ser minimamente equivalente ao nosso na relação, é muito perigoso.

MC Li que se sente “ofendida” quando é colocada como “bolsonarista”. Poderia falar melhor sobre isso? LP Para mim, o Bolsonaro é um tipo de gente que tem que ser estudada. Falta uma mãe, uma esposa, um amigo, um professor, alguém para mostrar o que é ditadura, o que é democracia, direito, dever, educação.

MC Qual é sua posição sobre o consumo de drogas no Brasil? E quanto à sua relação com elas? LP Tem que utilizar a maconha em todos os sentidos. É uma loucura que o povo ainda esteja apegado num pensamento mesquinho e pequeno, quando já é comprovada a eficácia da maconha para muitas coisas e quanto isso muda a vida das pessoas. A cachaça e o cigarro estão sendo vendidos por aí e, para mim, a pior das drogas é o álcool, não tem nem comparação. Devia ser proibido, custar caríssimo, deviam colocar mais comida de verdade dentro da cesta básica do brasileiro. E deviam, obviamente, liberar o consumo e utilização da cannabis para todos os fins, seja em medicamentos ou para o fumo, tudo.

"Deviam, obviamente, liberar o consumo e utilização da cannabis para todos os fins. Seja em medicamentos ou para o fumo, tudo"
— Luana Piovani

MC Para a revista Trip em 2011, você comentou sobre sua história com o álcool e o medo de se tornar alcoólatra, principalmente por sua mãe ser abstêmia. Como é isso hoje? LP A bebida alcoólica tem uma presença na minha vida, mas não tenho mais medo, porque sou analisada. Já me explicaram o que é uma alcoólatra e sou dona da minha vontade. Sou consciente, sei dosar.

MC O que é sexo pra você? LP Sexo nunca foi uma coisa muito importante na minha vida. Apesar de ter tido uma vida sexual sempre ativa porque nunca fiquei solteira. Quando ficava, era uma passada de rodo geral e depois de uns quatro, cinco, seis, oito [homens] num período de dois meses no máximo já engatava em um namoro longo com alguém. Mas sou do encontro, do ritual, da conversa e claro que adoro sexo, mas o gozar como um todo, sem a obrigação do orgasmo.

MC O que pensa desse movimento de mulheres famosas que têm exposto traições e relacionamentos abusivos? LP Maravilhoso! E já era hora, estamos atrasadíssimos nisso. A gente já devia ter despertado há muito tempo. Por que as mulheres, ao invés de ficarem postando foto com a hashtag “Ninguém solta a mão de ninguém”, não abrem a boca e contam suas histórias?

MC O que é mais importante na sua vida agora? LP Conseguir sobreviver e passar pela tormenta que é acordar todo dia com essa mordaça na minha boca e esse alarme de multa de 20 mil euros piscando.

MC Na descrição do seu canal no YouTube, está “Se você acha que me conhece, prepare-se: ainda não viu nada”. Qual o maior equívoco das pessoas em relação a você? LP A gente não estaria tão na merda se não tivesse tanta mulher machista que foi doutrinada pelo patriarcado. Partindo deste prisma, são três equívocos. O primeiro é o “Supera”, em relação ao meu casamento. Já superei há muito tempo. O segundo é acharem que sou barraqueira. E o terceiro é que sou prepotente, porque não sou. Sou potente e sei exatamente como multiplicar a minha potência.

Equipe Fotos Faya, de Cascais, Portugal Beleza Everson Rocha

*Marie Claire