Sentada no palco do teatro, entre atores que manipulam bonecos, Sandra Annenberg ensaia o texto de uma contadora de história de Pedro e o Lobo. O espetáculo marca o retorno da jornalista, de 55 anos, ao ofício de atriz, ao qual se dedicou nos primeiros anos de sua vida, com mais de 50 comerciais e, mais tarde, por meio de atuações em seriados e novelas, como Bronco (1987), Tarcísio & Glória (1988) e Cortina de Vidro (1989).
"Comecei a trabalhar em comerciais aos seis anos. Uma coisa foi levando a outra. Quando vi, estava trabalhando com carteira assinada por dois anos com o Ronald Golias no Bronco! Tive muita sorte. Após uma sequência de trabalhos como Tarcísio & Glória (1988), Pacto de Sangue (1989), A República (1989), A, E, I, O... Urca (1990), acabaram os convites seguidos para trabalhar no Rio de Janeiro. Quando deu a pausa, voltei para São Paulo. Aqui não tinha muitas oportunidades, mas fiz Cortina de Vidro no SBT (1989). Acabou e eu tinha que me sustentar de alguma forma. Fiz uma escolha. Voltei a ser apresentadora com franchise na Record até ser chamada para ser a moça do tempo e aí virei essa chavinha. Troquei a ficção pela realidade. Não foi difícil. Eu precisava trabalhar, e ser jornalista me dava tranquilidade de ter um emprego e estabilidade. Quando vi, 32 anos se passaram", relembra.
“A pandemia foi um processo de reavaliação de vida. Todo mundo colocou na balança o que vale ou não a pena. O que quero ou não quero. Foi um divisor de águas e fez com que as pessoas dessem muito mais valor à vida. Só temos essa vida e temos que nos realizar, fazer o que amamos… Adoro o que faço, já estou realizada no que faço, mas ainda tinha alguma coisa que ficou no meu passado e que eu tinha vontade de resgatar, a atuação. Foi um retorno com aquele receio: ‘Será que eu consigo?’. Agora estou vendo que é como andar de bicicleta. Tem uma memória ali que a gente pode ativar. Faz parte da minha história. Só precisava dar uma aquecida”, conta.
Sandra Annenberg — Foto: Rafael Cusato/ Quem
O retorno acontece no icônico Theatro Municipal de São Paulo, em cinco sessões, do dia 28 a 30 de julho. Sandra não esconde a ansiedade.
"Sempre abri o jornal com frio na barriga. Tem a adrenalina do ao vivo e da sensação de que tudo pode acontecer a qualquer momento. Você combina uma coisa e pode ser que não aconteça daquele jeito, porque as coisas mudam, o link cai, algo não funciona… Eu me arrependo até hoje de nunca ter medido meus batimentos cardíacos durante o jornal. Deveria ter feito várias vezes, inclusive nos plantões, no tam, tam, tam tam, tam tam, tantantam. Tinha momentos em que eu achava que o coração ia sair pela boca e outros que eu ficava tão zen, que tinha uma sensação de que eu apagava, ligava um automático e depois que colocava no ar, dava uma tremedeira. Parecia que o caminhão passava por cima de mim. Doía tudo… Com o tempo, a gente desenvolve mecanismos para controlar a ansiedade. Mas com certeza o friozinho na barriga vai estar lá na minha reestreia nos palcos. O Theatro Municipal me pegou nisso. Reestrear pelo Municipal é assustador. É o teatro mais lindo que existe. Eu nunca me imaginei no palco do Municipal. Parecia tão inalcançável!”, diz.
Sandra Annenberg e Muriel Matalon no ensaio do espetáculo 'Pedro e o Lobo' — Foto: Rafael Cusato/ Quem
A voz marcante, que por mais de três décadas noticiou os principais fatos do Brasil e do mundo, ganha novos contornos a direção de sua amiga Muriel Matalon. No teatro, a amizade fica de lado e a diretora é firma e direta em suas orientações.
“Somos muito amigas, mas tem hora para tudo. Sou discípula de Myriam Muniz, Gerald Thomas e Zé Celso. Acho que tem hora para tudo, mas aqui no teatro, sei o que eu quero e sou muito objetiva. Até a minha filha se surpreende comigo quando estou no teatro. Se precisar, critico. Critiquei no começo. Todo mundo espera essa coisa da Sandra do jornal. Não é! Fui tirando esse estilo e trazendo a contadora de histórias e outras referências. Trabalhei até mesmo esta questão de onde sai a voz, a diferença… Quando ela dá uma notícia, ela não pode dar peso para as coisas, porque tem que ter imparcialidade. A gente foi colorindo a voz dela”, explica Muriel.
Sandra Annenberg e a filha, Elisa — Foto: Rafael Cusato/ Quem
A fábula russa de Sergei Prokofiev (1891-1953) sobre um menino que enfrenta e captura o lobo que aterroriza uma região tem um significado especial para Sandra. Seu pai, descente de ucranianos, costuma colocar os discos da história para ela, que depois tocava a versão em CD para sua única filha com o jornalista Ernesto Paglia, Elisa Annenberg, de 20 anos.
“A família do meu pai é daquela fronteira da Rússia com a Ucrânia. Por essas raízes do meu pai e por ele amar música clássica, ele me apresentou quando pequena Pedro e o Lobo, que tem essa pegada de aproximar as crianças da música clássica. Tinha uma coleção de disquinhos e quando minha filha nasceu, comprei a coleção completa em CD para ela. A Elisa também viu a montagem que a Muriel fez com a Giulia Gam em 2008. Achei lindo! Naquela época, nem passava pela minha cabeça que hoje estaria aqui fazendo esta peça”, relembra Sandra.
Sandra será uma contadora de histórias no espetáculo 'Pedro e o Lobo' — Foto: Rafael Cusato/ Quem
Elisa Annenberg-Paglia, filha de Sandra Annenberg — Foto: Rafael Cusato/ Quem
De férias do curso de Artes Cênicas da Universidade de Nova York, pela Tisch School of the Arts, nos Estados Unidos, a jovem trabalha como assistente da produtora-executiva do espetáculo, Mariana Mantovani.
“Sempre falei para ela que a gente não ia misturar família com negócio. Mas surgiu essa oportunidade. Estavam precisando de alguém para auxiliar na produção. Estudo isso há dois anos, trabalhei na produção de quatro peças da faculdade lá nos EUA e estava aqui de férias fazendo nada… Queria colocar meu aprendizado em uma produção profissional e juntou o útil ao agradável. E está sendo muito divertido trabalhar com todo mundo e com a Muriel. Eu era muito novinha quando vi este espetáculo, mas me lembro dos bastidores no Teatro Tuca, conhecer os bonecos, etc. Meu olhar já era com o foco em como tudo aquilo estava sendo feito. Por isso, é muito especial poder participar deste espetáculo”, celebra Elisa.
Elenco e produção do espetáculo 'Pedro e o Lobo' — Foto: Rafael Cusato/ Quem
Além dos atores, uma orquestra de 35 músicos, regida pelo maestro Guilherme Rocha, ajuda a contar a história. “A música dá o norte do que vai acontecer na história. O Prokofiev coloca tudo o que ele quer transmitir, intenções mínimas dos personagens, na música. Cada personagem é representado por um instrumento da orquestra. Está tudo muito bonito”, detalha o maestro.
Os ingressos esgotados em quatro das cinco sessões gera um desejo de levar o espetáculo para outros teatros. “Quero levar para outros teatros com orquestra mesmo. Acho que é uma educação musical. Temos até uma versão pocket com 24 músicas. Só precisamos de apoiadores”, planeja Muriel.
Sandra Annenberg — Foto: Rafael Cusato/ Quem
Se depender de Sandra, não há problema algum estender sua agenda como atriz. Ela quer conciliar o quanto puder as duas profissões e almeja novas oportunidades.
"Agora não preciso fazer uma escolha. Isso a maturidade te dá. Antes eu achava que tinha que fazer escolha entre realidade e ficção. Agora, estou em um ponto na minha carreira de jornalista que posso ser atriz também, em que uma coisa não anula a outra. Enquanto eu puder manter as duas, manterei. Tenho muita vontade também de fazer cinema. Mas não faço planos, vou deixando acontecer", explica ela, que segue à frente do Globo Repórter, apesar de cada vez mais querer aproveitar a vida fora das telas.
"Curtir mais a vida está cada vez mais no raio de expectativa daqui para frente. Ernesto saiu recentemente da Globo, está mais tranquilo, apesar de estar fechando um documentário maravilhoso que ele fez para o GloboPlay. A vida passa rápido demais. Temos que aproveitá-la. E o Globo Repórter me permite ter mais tempo para isso", diz.
Serviço: Pedro e o Lobo Dias 28, 29 e 30 de julho, sexta-feira às 20h, sábado às 11h e 17h e domingo às 11h. Theatro Municipal de São Paulo – Praça Ramos de Azevedo, s/nº – República, São Paulo. Telefone – (11) 3053-2080. 45 minutos | Livre para todos os públicos. Ingressos – de R$ 10,00 a R$ 32,00 a venda pelo site theatromunicipalsp.byinti.com ou na bilheteria (segunda a sexta, das 10h às 19h; aos sábados, domingos e feriados, das 10h às 17h).
Sandra e o mastro Guilherme Rocha — Foto: Rafael Cusato/ Quem
Sandra Annenberg — Foto: Rafael Cusato/ Quem
Sandra Annenberg — Foto: Rafael Cusato/ Quem
Sandra Annenberg — Foto: Rafael Cusato/ Quem
Espetáculo 'Pedro e o Lobo' — Foto: Rafael Cusato/ Quem
Espetáculo 'Pedro e o Lobo' — Foto: Rafael Cusato/ Quem
Espetáculo 'Pedro e o Lobo' — Foto: Rafael Cusato/ Quem