Quinta-Feira, 28 de novembro de 2024
Quinta-Feira, 28 de novembro de 2024
Ex-delegada, advogada e poeta, Mirian Monte mexeu com o CSA nesta temporada. Ninguém no futebol alagoano ficou alheio à ousadia da dirigente que decidiu ignorar os sinais de alerta e assumiu o comando de um clube em crise. Seu começo no mandato lhe rendeu um apelido que, no fim, de certa forma a inspirou: Leila da Shopee.
Pressionado pelos resultados ruins do início do ano, o presidente-executivo Rafael Tenório entregou o cargo e houve um movimento no CSA para convocar novas eleições. Então vice-presidente geral, Mirian, no entanto, não acompanhou Rafael e os outros dirigentes que renunciaram, fez valer o estatuto e, do jeito que deu, assumiu a presidência do clube em março.
Não foi simples a transição. Muita gente dentro do CSA achava que ela não enfrentaria as crises esportiva e financeira, e a torcida também ficou desconfiada. Nos momentos mais duros do percurso, nas redes sociais, ela começou a ser chamada de Leila da Shopee.
O apelido vem da clara inspiração da dirigente do CSA em Leila Pereira, presidente do Palmeiras. Em entrevista ao ge, Mirian contou nesta quinta como usa essa referência para reconstruir o time alagoano.
"São muitos estigmas, tabus, preconceitos que precisam ser quebrados, e Leila Pereira, além de me inspirar, abre portas para mim e para outras mulheres. Ela abre essa porta por dentro."
— Ver uma mulher como Leila Pereira comandando um dos maiores clubes do Brasil e do mundo, com firmeza e, ao mesmo tempo, gentileza, com competência, força, disciplina, ocupando um espaço que sempre foi dominado pelos homens, é inspiração pura para homens e mulheres e para mim, principalmente.
Diferentemente de Leila, Mirian não tem muitos recursos para tocar o seu projeto. Ela e o departamento de marketing correm atrás de patrocinadores que possam minimizar os problemas financeiros do CSA em 2025.
Com uma dívida estimada em R$ 20 milhões, o clube entrou numa espiral negativa a partir de 2022 e caiu para a Série C do Brasileiro, sem recursos até para garantir a permanência nessa divisão.
Mirian fez a transição política no CSA com alterações importantes no comando do clube. Mudou toda a diretoria, foi buscar apoio na oposição, e trocou as peças principais no departamento de futebol.
Ela encerrou a temporada em alta, por ter conquistado uma vaga na Copa do Brasil e, principalmente, por ter mantido o CSA na Série C do Brasileiro.
— Não tem sido fácil ser presidente do maior e mais tradicional clube de Alagoas e, justamente num período de crise politica, administrativa e financeira. Mas vamos superando cada obstáculo, conquistando a confiança do torcedor e demais personalidades do futebol com muita resiliência e tenacidade, para não dizer ousadia e teimosia.
Quando a torcida achou que o rebaixamento na Série C seria iminente, Mirian sofreu enorme pressão nas redes sociais. Posts ofensivos pediam a sua renúncia e foi daí que surgiu o apelido de Leila da Shopee, pelo fato de Mirian não ter recursos para investir no CSA. Ela explicou como foi lidar com tudo isso.
— Eu costumo rir nos bons e nos maus momentos. Já dizia Victor Hugo, em Os Miseráveis, que “A gargalhada é o sol que varre o inverno do rosto humano”. Costumo fazer dos limões limonadas e cheguei a criar um jargão: “Shopee, sua Leila está aqui!” — contou a presidente do CSA, acrescentando:
— E também escutava isso como uma verdade — e não deixa de ser verdade que há uma distância entre um clube da A e um clube da C, em termos financeiros. E é reconhecendo essa verdade, abraçando essa verdade, que buscaremos nos movimentar para mudar essa verdade. Estamos num momento de abertura comercial. Nossas portas estão abertas para parceiros e investidores.
Bem-humorada, Mirian aproveitou a deixa até para fazer uma propaganda.
— Quem sabe a Shopee não se interessa em patrocinar o CSA? Fica a dica e o convite para conhecer este clube centenário, que tem uma mulher nordestina e muito guerreira, assim como Leila, defendendo sua camisa.
Mirian disse não ter encontrado ainda Leila nos bastidores do futebol, mas acha que esse dia não vai demorar muito a chegar.
— Ainda não consegui esse encontro, porque sua agenda é muito solicitada. Mas desejo que aconteça. Sinto que uma hora isso vai acontecer! Quando a gente deseja muito algo, o universo costuma conspirar a nosso favor.
Depois, num tom mais sério, Mirian contou ainda como faz para enfrentar o meio machista do futebol.
— Não é simples. É uma conquista diária. Preciso estar atenta para que os preconceitos, os tabus, os ciúmes não limitem meus passos e cerceiem minhas liberdades de expressão, de profissão, de ir e vir. Se estou no dia a dia, sou criticada, porque “não é lugar de mulher”. Se não estou no dia a dia, também sou criticada, por não estar vendo, com os meus próprios olhos, os movimentos e acompanhando os bastidores do futebol.
"Serei criticada de qualquer maneira, não é? Então, fecho os ouvidos e caminho."
— Toda caminhada é única, todo ser humano é um mundo e ajo de acordo com minhas próprias convicções. Não me sinto melhor e nem pior do que nenhum homem. Eu me vejo igual. Temos as mesmas necessidades enquanto seres humanos e isso facilita minha convivência.
A presidente do CSA é analista judiciária federal, mas disse que já passou por perrengues quando trabalhou na polícia. Essa experiência ajudou a enfrentar o meio do futebol.
— Na minha vida inteira fui desafiada a lidar com ambientes essencialmente masculinos. Aos 23 anos, por exemplo, eu era delegada de polícia na Paraíba. Posso garantir que o futebol é muito mais tranquilo.
*GE/AL