Sexta-Feira, 22 de novembro de 2024
Sexta-Feira, 22 de novembro de 2024
A pedido do Ministério de Minas e Energia, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou na disputa envolvendo o pedido de licença feito pela Petrobras ao Ibama para instalar uma sonda de perfuração na bacia da foz do rio Amazonas e explorar petróleo na região. Técnicos se debruçam para fazer um parecer técnico que será apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem se mostrado favorável à medida.
O Ibama apontou inconsistências técnicas da empresa de petróleo e negou o pedido. Desde então, Minas e Energia, que abarca a Petrobras, vem fazendo pressão para que seja dada a liberação. A pasta chefiada por Alexandre Silveira enviou o pedido à AGU em julho, com "a maior urgência possível, diante da relevância da discussão para os investimentos nesse importante projeto, inclusive, no que toca aos aspectos econômicos, sociais e ambientais".
A reportagem apurou que a AGU, juntamente com a Controladoria-Geral da União (CGU), começou a análise das questões jurídicas que envolvem a matéria e vai realizar reuniões com os órgãos. Um dos pontos de entrave é a falta da Avaliação Ambiental da Área Sedimentar, que analisa se a região está apta para ser explorada. O parecer dos advogados da União deve apontar se essa etapa é ou não obrigatória para conceder a licença.
O episódio gerou atrito entre as pastas envolvidas e, no início deste mês, a história ganhou novos capítulos com a manifestação do presidente Lula a favor do pedido da Petrobras.
Temos que pesquisar, saber se tem aquilo que a gente pensa que tem. E quando a gente achar, a gente vai tomar uma decisão do Estado brasileiro, o que a gente vai fazer, como que a gente pode explorar.
"Vocês [do Amapá] podem continuar sonhando, que eu também quero continuar sonhando. Isso nós vamos ter todo o cuidado, mas pode continuar sonhando, porque ainda há uma discussão. O Ibama não foi definitivo, apresentou propostas para ser corrigida. Essas coisas vão ser levadas em conta pelo governo e pela Petrobras. Estamos em processo de discussão interna e, logo, logo, a gente vai ter uma decisão do que a gente pode fazer", completou.
De acordo com nota enviada pela AGU à reportagem, o Ministério de Minas e Energia questionou os argumentos apresentados pelo Ibama ao negar o pedido. São eles: • impactos sobre comunidades indígenas; • necessidade de realização de estudos de caráter estratégico e tempo de resposta; e • atendimento à fauna atingida por óleo em caso de vazamento.
A pasta de Silveira argumenta que o processo legal foi rigorosamente respeitado. "Nos próximos dias, a AGU deverá realizar manifestação formal", acrescenta o comunicado da pasta.
Nesta semana, os representantes dos países amazônicos se reuniram para a Cúpula da Amazônia, em Belém, no Pará. Durante a agenda, alguns líderes criticaram o uso de combustíveis fósseis e defenderam a ideia de que é preciso cessar a exploração de petróleo para garantir a preservação da floresta.
Em discurso, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, por exemplo, disse que "as forças progressistas deveriam estar sintonizadas com a ciência" e reclamou que a "política não consegue se destacar dos interesses econômicos que derivam do capital fóssil".
Os países apresentaram a Declaração de Belém e, por falta de consenso, o texto não prevê nenhum tipo de compromisso do grupo em acabar com a exploração de petróleo na região amazônica. O documento reforça apenas que os países que compõem o grupo devem promover a cooperação regional no combate ao desmatamento e evitar que a área atinja o ponto de não retorno.
Na declaração, os líderes amazônicos falam em "pactuar metas comuns para 2030, para combater o desmatamento, erradicar e interromper o avanço das atividades de extração ilegal de recursos naturais e promover abordagens de ordenamento territorial e a transição para modelos sustentáveis, tendo como ideal alcançar o desmatamento zero na região".
Relatórios do Ibama trazem o histórico da tentativa de licenciamento da área, registrada como Bloco FZA-M-59. O processo foi iniciado em 2014, quando a concessão da área era administrada pela britânica BP em parceria com a Petrobras. Em 2021, a empresa britânica desistiu da concessão do FZA-M-59, e a Petrobras assumiu o negócio por inteiro. Desde setembro de 2021, a companhia tem manifestado interesse no licenciamento, mas o órgão ambiental vem reforçando que existem pendências.
O R7 teve acesso a um dos relatórios produzidos pelo instituto, que pede que o caso seja arquivado. O texto fala em "inconsistências identificadas sucessivamente" e "limitações técnicas e logísticas envolvidas nas operações" e pede "avaliações mais amplas e aprofundadas". Segundo o documento, os países vizinhos ao Brasil serão diretamente afetados em caso de vazamento de óleo.
"A deriva do óleo para pequenos e médios vazamentos atingiria as águas fora do território brasileiro em até 10 horas e, em 15 horas, no caso de um grande vazamento", diz trecho do documento, obtido pela reportagem. "Esses tempos tão diminutos expõem a necessidade de uma organização internacional para atendimento à resposta transfronteiriça", completa.
De acordo com a Petrobras, foram registradas 60 descobertas com volume estimado de 11 bilhões de barris na região da Margem Equatorial. "A exploração de petróleo na Margem Equatorial abrirá uma importante fronteira energética para o país, que se desenvolverá de forma integrada com outras fontes de energia e contribuirá para que o processo de transição energética ocorra de forma justa, segura e sustentável", diz a petroleira.
A área da possível extração de petróleo está localizada na foz do rio Amazonas, uma das cinco bacias que compõem a chamada margem equatorial, juntamente com Potiguar, Pará-Maranhão, Barreirinhas e Ceará. O espaço se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte e é considerado o "novo pré-sal".
Na internet, o Observatório do Clima informa que a região da costa amazônica abrange 80% da cobertura de manguezais do país. Documento do Ibama cita que a porção costeira da bacia da foz do rio Amazonas tem extenso trecho de costa inacessível por via terrestre e de difícil navegação.
Além da existência de áreas de concentração, alimentação e reprodução de animais, o que demonstra a sensibilidade e a vulnerabilidade ambiental desses locais, a região abriga espécies locais ameaçadas de extinção e provavelmente outras ainda desconhecidas ou não registradas.
Para o socioambientalista Thiago Ávila, o impacto ambiental da exploração, caso seja cedida, será crítico.
A vontade política expressa nas ações de governo ao acionar a AGU para contestar a decisão do Ibama é profundamente decepcionante, pois representa um retrocesso na política ambiental, um descumprimento das promessas realizadas durante a campanha eleitoral e uma demonstração de que o governo ainda não conseguiu compreender a gravidade do cenário ambiental que vivemos hoje no mundo.
Ávila insere também outras variáveis na equação. O especialista defende a priorização de fontes renováveis de energia, em vez de insistir em combustíveis fósseis. Não existe uma forma segura e 100% confiável para perfurar o Rio Amazonas, tampouco existe uma forma menos danosa de extrair petróleo, refinar em combustíveis fósseis e queimá-los para a produção de energia ou transporte. Todas as evidências científicas comprovam que a tarefa dos países hoje é fazer a transição energética", defende.
Já o economista e advogado Alessandro Azzoni, que também é conselheiro deliberativo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), menciona desorganização do governo. "Todos estão empenhados nas suas respectivas pastas. O Ministério de Minas e Energia quer a exploração, justamente, pela inclusão de receitas; e o Meio Ambiente, que precisa dar resposta em defesa da região amazônica", afirma.
Parece que cada um trabalha com a sua pasta e não conversam entre si. Se a política do presidente Lula é ambiental, de defesa do clima e combate às mudanças climáticas, percebe que é desconexa a relação entre os ministros.