Sábado, 23 de novembro de 2024
Sábado, 23 de novembro de 2024
O Brasil enfrenta a maior seca já vista na sua história recente, segundo órgão de monitoramento do governo federal. Dados inéditos e obtidos com exclusividade pelo g1 mostram que, pela primeira vez, a estiagem afeta o país de forma generalizada, por toda a sua extensão. A única exceção é o Rio Grande do Sul. E o cenário é preocupante: o país não deve ter alívio até novembro.
A análise é do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável por subsidiar as ações de enfrentamento de crises climáticas.
Os dados sobre a seca cobrem o período desde 1950. A série histórica revela que a estiagem se agravou a partir de 1988. De lá para cá, a seca mais severa havia sido registrada em 2015. No entanto, à época, a falta de chuva atingiu apenas uma parte das regiões, fazendo com que os rios secassem e a vegetação pegasse fogo.
Neste ano, a seca se espalhou pelo país quase todo e de forma mais intensa, surpreendendo especialistas. A falta de chuva e os severos impactos na vegetação atingem uma área muito maior que a de 2015. Agora, grandes porções do Brasil passam por situação de seca de severa a excepcional.
A pedido do g1, o Cemaden processou os mapas abaixo que mostram o alcance da estiagem nos últimos anos. As imagens mostram a série histórica desde o ano de 2012 e é possível ver a gravidade da situação atual.
Sequência de imagens mostra avanço da seca ano a ano — Foto: Arte/g1
Os dados de 2024 no mapa ainda são parciais pois consideram os meses de janeiro a agosto deste ano. Por isso, o cenário, que já é ruim, pode piorar.
Fogo em plantação da região de Ribeirão Preto (SP) no fim de agosto — Foto: Reprodução/EPTV
Hoje, mais de um terço do território nacional, o que equivale a mais de 3 milhões de km², enfrenta a estiagem na sua pior versão, o que se traduz em:
Para se ter uma ideia, em 2015, o trecho do país nessas condições era menor e representava 2,5 milhões de km².
A resposta para essa pergunta não é tão simples. O que os especialistas explicam é que ela é multifatorial e leva em consideração alguns pontos:
A soma destes fenômenos, que mudaram os padrões de chuvas e de temperatura por um período de tempo tão longo e sem trégua, é que fez com que a seca se intensificasse e espalhasse pelo país.
De acordo com os dados mais recentes, mais de 3,8 mil cidades estão com alguma classificação de seca (de fraca a excepcional). O número de cidades nessa situação aumentou quase 60% entre julho e agosto.
Segundo os meteorologistas, o cenário não é otimista. O país ainda tem mais um mês de estação seca para enfrentar, mas ela deve se estender porque as previsões mostram que a chuva, que chegaria em outubro, deve atrasar e ser mais fraca do que o esperado. Com isso, só a partir de novembro deve haver alguma trégua.
O meteorologista Giovani Dolif, que também é pesquisador no Cemaden, explica que a perspectiva já não era de uma melhora expressiva depois de outubro. Isso porque as chuvas teriam que ser acima da média para que o país se recuperasse da estiagem tão intensa. Além disso, alerta que o atraso do fim da estação de seca pode deixar tudo mais grave.
E a La Niña? Com o fim do El Niño, era esperada uma mudança para a La Niña, fenômeno que faz cair a temperatura dos oceanos e pode provocar mais chuva. A expectativa era que ela começasse ainda no primeiro semestre deste ano, mas as estimativas mostram que ela só deve chegar em novembro e bem menos intensa do que o esperado.
O La Niña ocorre quando há o resfriamento da faixa Equatorial Central e Centro-Leste do Oceano Pacífico. Ele é estabelecido quando há uma diminuição igual ou maior a 0,5°C nas águas do oceano. O fenômeno acontece a cada 3 ou 5 anos.
O meteorologista Giovani Dolif explica que a La Niña poderia minimizar a seca, mas, do jeito que está previsto, não vai ser o suficiente para diminuir os impactos.
“A solução é uma temporada de chuvas acima da média, que pode ser que aconteça em janeiro, mas não há ainda uma previsão clara. Até lá, a situação deve permanecer como estamos vendo”, diz.
Bancos de areia surgem em meio a falta de água no Rio Solimões, no Amazonas — Foto: Rôney Elias/Rede Amazônica
A falta de chuva vem afetando os rios pelo país há mais de um ano. Os especialistas afirmam que a seca começou em junho, mas, antes disso, a estiagem já vinha castigando algumas regiões. Com isso, há estados com chuvas muito abaixo da média há mais de 18 meses.
Dados mais recentes do Cemaden, que vão de abril a agosto, mostram que pelo menos nove estados não têm chuva há quatro meses e a maior parte do país não vê chuva há mais de trinta dias. Confira o mapa abaixo.
País tem estados sem chuva por mais de 120 dias — Foto: Arte/g1
A hidróloga e pesquisadora Adriana Cuertas explica que a maior parte das bacias pelo Brasil tem enfrentado baixas com a seca e com o calor intenso. A previsão até outubro deste ano, quando a chuva deveria chegar, já mostra a maior parte dos rios em situação crítica.
“A maior parte das bacias está abaixo da média, com exceção do Sul. No Norte, estamos vendo uma seca severa nos rios e, no Centro-Oeste e até no Sudeste, uma situação bem crítica nas bacias. A estiagem está impactando o país de uma forma geral”, afirma.
A situação mais crítica é no Norte do país. Os rios estão baixando de nível de forma mais acelerada e antes do que aconteceu em 2023, quando a crise foi histórica. Os rios Madeira, Negro e Solimões, principais da bacia da região, estão em baixas históricas. A previsão é que a região possa enfrentar uma crise ainda mais severa que a de 2023.
A seca nos rios também afeta o abastecimento de energia. Na última semana, o Operador Nacional do Sistema Elétrico alertou que, com a baixa a região Norte, não teria como atender a demanda e seria preciso suporte de outras regiões, como a Sul, e antecipou o uso de termelétricas para o reforço no abastecimento. Mesmo com a baixa nos reservatórios, o órgão garante que há como atender a demanda de energia sem interrupções.
A especialista explica que a situação deve permanecer crítica para todo o país até novembro.