Segunda-Feira, 25 de novembro de 2024
Segunda-Feira, 25 de novembro de 2024
A quinze minutos de barco do centro de Belém, uma linha de troncos guia o caminho rodeado de terra úmida até um espaço de sombras livre do sol quente da úmida capital do Pará. As moradoras são consideradas agentes cruciais na preservação da Amazônia: abelhas melíponas (espécie sem ferrão). Elas só estão vivas graças, em parte, aos recursos do Fundo Amazônia, que financiou o projeto que as espalhou por comunidades tradicionais da floresta.
O mecanismo, idealizado e gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), capta doações internacionais que premiam o bom desempenho do Brasil na redução de emissões de dióxido de carbono (CO2). Nessa conta, o desmatamento é o maior vilão - e o principal alvo para se derrubar as emissões.
Desde sua criação, há 15 anos, o fundo já apoiou 653 instituições, impactando 241 mil pessoas envolvidas em atividades produtivas sustentáveis. No período, foram:
Ao todo, 75 milhões de hectares de áreas de floresta foram incluídas no manejo sustentável, segundo dados do fundo.
As casinhas para as abelhas foram idealizadas pelo projeto de uma organização da sociedade civil, o Instituto Peabiru, que recebeu R$ 2 milhões entre 2014 e 2017 do Fundo Amazônia.
Projeto no Pará financiado pelo Fundo Amazônia produz mel que é vendido pelas comunidades locais — Foto: Paloma Rodrigues/TV Globo
O Peabiru buscou novos financiamentos com o Fundo em 2018 e chegou a ser selecionado para mais uma rodada de investimentos. Mas a possibilidade nunca se concretizou: o Fundo Amazônia foi paralisado pelo governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2019, e congelou recursos para novos projetos, mantendo apenas repasses para ações já iniciadas.
O dinheiro, que provém de doadores internacionais - como os governos da Noruega e Alemanha - e nacionais - caso da Petrobras -, é calculado a partir das taxas de redução do desmatamento previstas para a região. Esses índices se baseiam em informações do Ministério do Meio Ambiente confirmadas pelo comitê técnico do fundo, formado por cientistas e integrantes da sociedade civil.
Depois de ficar praticamente inerte por 4 anos, o mecanismo foi reativado em janeiro. O movimento das autoridades brasileiras é pelo seu retorno de protagonismo em meio ao grande objetivo de médio prazo: a COP 30, a Conferência do Clima que será realizada em Belém em 2025.
O financiamento ambiental está em alta na Amazônia, mas a ambição do governo brasileiro é organizá-lo e, sobretudo, potencializá-lo até a COP. Após a Cúpula da Amazônia, os países aprovaram um documento cuja intenção é captar US$ 100 bilhões por ano junto aos países ricos.
A Noruega é um dos maiores players nesta área, com financiamentos em diferentes países. No Brasil, é a maior financiadora do Fundo Amazônia. O país, que foi duro com o governo anterior ao bloquear o uso dos seus recursos a partir da indicação de mudanças na gestão do fundo, agora mostra mais otimismo.
“Para nós, é importante trabalhar com países que pensam da mesma forma que nós pensamos. Não somos capazes de atingir a meta de 1,5º C [de aquecimento global] do Acordo de Paris a menos que reduzamos o desmatamento de maneira significativa”, afirmou.
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A ideia é transformar Belém em uma grande exposição a céu aberto da capacidade brasileira em investir em bioeconomia com benefícios para comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas. As comunidades próximas ao centro da capital permitem que isso aconteça, com visitas de financiadores e ambientalistas de maneira simples e rápida.
? Os bilhões que giram na pauta do financiamento ambiental ganham materialidade em ações espalhadas por toda a Amazônia. No caso das abelhas melíponas, estão distribuídas em 30 comunidades de sete municípios em dois estados. Além do Pará, comunidades indígenas e ribeirinhas do Amapá receberam caixinhas onde as abelhas fabricam incessantemente o mel.
O material é levado pelos funcionários do instituto, que também realizam o treinamento das famílias que recebem as abelhas. Os cuidados são simples e demandam poucas horas de trabalho semanal.
Durante o inverno, com a alta incidência de chuvas, é preciso que as abelhas recebam alimentação artificial para que não parem de produzir. Isso é feito através de uma pequena garrafa acoplada à caixa, que é sempre abastecida com água com açúcar.
O fato de as abelhas não terem ferrão facilita a retirada do mel e não demanda equipamentos de proteção individual. Por fim, o instituto fornece apoio emprestando a máquina que suga o mel das queixas. Parte das famílias vende para atravessadores e turistas, mas o instituto também atua comprando o mel para fazer venda posterior.
Abelhas melíponas (espécie sem ferrão) são criadas em projeto que recebeu recursos internacionais — Foto: Paloma Rodrigues/TV Globo
“A sustentabilidade da Amazônia vai se dar na diversidade”, disse Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental e que já fez parte do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA). E complementa:
Esse tipo de modelo econômico, baseado no pequeno produtor, demanda uma capacidade de investimento inicial que é praticamente inexistente entre a população local.
No caso do Peabiru, a intenção não foi a de criar uma rede de criadores exclusivos de abelhas para produção de mel, mas propor uma atividade que pudesse ser conciliada com outros tipos de produção.
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Quase na margem do rio Guamá, na comunidade de Boa Vista, a pouco mais de dez minutos de barco de Belém, Maria Silva diz, orgulhosa, que cuida diariamente de suas abelhas. A produção de mel acontece em média uma vez por ano e por gerar renda entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil reais para os produtores.
Mel de abelhas produzido em projeto financiado pelo Fundo Amazônia — Foto: Paloma Rodrigues/TV Globo
“É uma renda extra boa para a nossa família. É uma coisa que minhas filhas e meu marido se ocupam. A gente todo dia vem dar bom dia para as abelhinhas”, disse a produtora, cuja família também produz açaí, sua fonte de renda principal.
O projeto cresce, hoje, sem a ação direta do instituto, com a possibilidade da multiplicação de abelhas feitas pelos próprios produtores. Com o acoplamento de duas caixas, as próprias abelhas se dividem e formam uma nova estrutura, que pode ser dividida posteriormente.
“Como sou instrutor ambiental, nos cursos eu trabalho muito a questão do meio ambiente e preservação da natureza, eu falo muito sobre abelhas. E aqui todo mundo já quer abelha agora”, disse Antonio Maria Soares, que tem cerca de 20 caixas com produção de abelhas na Ilha do Combu, distante 10 minutos de barco de Belém.
Antonio Maria Soares, instrutor ambiental no Pará — Foto: Paloma Rodrigues/TV Globo
Sem o apoio direto do Fundo Amazônia, projetos como o do Instituto Peabiru captam recursos de outras formas. O projeto das abelhas melíponas recebe hoje recursos da embaixada da Eslovênia e do Instituto Clima e Sociedade. Assim como o Peabiru, cerca de 20 projetos aguardavam novos aportes e tiveram seus planos frustrados a partir do congelamento do fundo.
“Isso tem prejuízo até no campo da autoestima, do psicológico, do engajamento das pessoas.”
João Meirelles, diretor do Instituto Peabiru, afirma que o projeto completa sua função social e ambiental com o trabalho das próprias abelhas. “Boa parte dos produtos que a gente consome dependem das abelhas. O açaí, por exemplo, sem as melíponas, não produz, não dá para depender do vento [para a polinização]”.
*G1