Sábado, 23 de novembro de 2024
Sábado, 23 de novembro de 2024
A praia do Icaraí, no município de Caucaia, foi a mais afetada pelos processos de erosão costeira na região metropolitana de Fortaleza. Entre os anos de 1984 e 2020, a praia perdeu 109,7 metros de faixa de areia, segundo estudo da Universidade Federal do Ceará (UFC). Após uma série de danos causados pelo avanço do mar, a região busca se recuperar com intervenções para desacelerar a erosão.
Além das perdas das últimas décadas, a praia está entre as que devem ser afetadas pelos processos erosivos até 2040, conforme pesquisa do Departamento de Geologia da UFC.
?A praia do Icaraí fica no município de Caucaia, a cerca de 20 km do centro de Fortaleza. Com 5,64 km de orla, o Icaraí fica entre as praias do Pacheco e da Tabuba.
?A região, que já concentrou festas e moradias de veraneio, passou a ter um cenário de quase abandono, com vias e prédios danificados.
Praia do Icaraí, no Ceará — Foto: Arte/g1
A erosão acontece quando um trecho de praia perde sedimentos e não tem a mesma quantidade reposta. Os efeitos deste processo no Icaraí são apontados como um exemplo da erosão causada pela ação humana.
Segundo o estudo, os motivos para o avanço do mar naquele trecho têm origem no início na década de 40, com a construção do Porto do Mucuripe na cidade vizinha, a capital Fortaleza, onde foram implantadores molhes, estruturas de pedra construídas nos portos com formato alongado para dentro do mar.
Quando a erosão começou a atingir a orla de Fortaleza, foram construídos espigões, espécie de estrutura de pedras semelhante aos molhes, mas que adentra o mar com a função de proteger a faixa de areia do avanço das águas.
De acordo com o geólogo Luiz Henrique Joca Leite, do Departamento de Geologia da UFC, o movimento natural dos sedimentos ao longo da costa (chamado de deriva litorânea) tem sido fortemente afetado pelas estruturas do porto e dos espigões construídos em Fortaleza.
Agora, para evitar o mesmo problema na praia do Icaraí, foram construídos três espigões e mais oito estão nos planos. Ambientalistas temem que os novos espigões não resolvam o problema, apenas o transfira para outra praia, assim como as estruturas de Fortaleza levaram a erosão para a praia vizinha.
Conforme a professora Narelle Maia de Almeida, também do Departamento de Geologia da UFC, a deriva litorânea acontece do oeste para o leste. Por isso, os sedimentos deveriam ser naturalmente transportados de Fortaleza para Caucaia. Porém, encontram empecilhos nestas barreiras artificiais.
"Então, estas estruturas rígidas da zona costeira de Fortaleza impedem o transporte natural dos sedimentos, evitando que cheguem à Praia do Icaraí, tornando-a ‘faminta por sedimentos’ e agravando o processo da erosão costeira nesta praia", explica Narelle.
Além da construção do porto e dos espigões, que existe há quase cem anos, outros exemplos de ação humana influenciaram na erosão do Icaraí: os barramentos feitos em rios e a ocupação das praias e dunas, segundo a pesquisadora que orientou o estudo da UFC.
Destruição causada pelo avanço do mar na orla do Icaraí, em Caucaia. — Foto: Fabiane de Paula/SVM
Embora o estudo relacione os espigões e o porto de Fortaleza à erosão das praias de Caucaia, os pesquisadores afirmam que os aterros de Fortaleza não contribuem tanto para este processo.
Estas obras para engorda artificial na praia de Fortaleza foram feitas com o método da dragagem. Segundo Joca Leite, estas obras retiram sedimentos das zonas mais profundas do mar e adicionam à faixa de praia. Assim, há adição de novos volumes de sedimentos à faixa litorânea.
Ainda de acordo com o geólogo, a linha da costa cearense no setor metropolitano (entre as cidades de Aquiraz e São Gonçalo do Amarante) é a que tem maior densidade populacional. Por esse motivo, os efeitos da erosão serão mais facilmente percebidos.
Molhes do Porto do Mucuripe, em Fortaleza, são apontados como fatores para a erosão das praias de Caucaia, município vizinho — Foto: Igor Machado/CDC
Além de Caucaia, onde fica a praia do Icaraí, outros dez municípios também devem sofrer com o problema de erosão na costa cearense até 2040. São eles:
? O estudo da UFC aponta que quase metade (49,16%) do litoral cearense deve sofrer com o avanço do mar.
Muro de condomínio no Icaraí, em Caucaia, desabou com força da maré em 2022. — Foto: Arquivo pessoal
Muros que desmoronaram, trechos do asfalto que cederam na Avenida Litorânea, na Praia do Icaraí, rachaduras e medo de desabamentos foram a realidade de quem viveu nos condomínios, nas casas e nas barracas da praia do Icaraí na última década.
Diante do abandono e da desvalorização da praia, foram diversas as tentativas do poder público para conter os avanços do mar sobre os trechos urbanizados.
Em 2011, a prefeitura de Caucaia implantou uma estrutura de proteção chamada de bagwall por mais de 1 km da costa — uma espécie de parede de pedras em forma de escadaria na areia da praia.
A estrutura não conseguiu conter o fluxo das ondas e precisou de constantes reparos nos anos seguintes. Esta solução também não foi capaz de impedir a destruição de edificações do Icaraí em momentos em que a maré avançou com mais intensidade.
Outra tentativa foi a construção de um sistema de enrocamento de pedras arrumadas, formando uma espécie de muro aderente à costa por toda a extensão da Avenida Litorânea, no ano de 2021. À época, a gestão municipal considerou essa obra como ‘medida emergencial de proteção do patrimônio público e privado’.
Em 2022, foram concluídos três espigões em formato de ‘serpente’ com inclinação para a direção Oeste. A obra de restauração costeira foi anunciada em uma parceria entre prefeitura e governo do estado.
Com a solução, frequentadores da região testemunham o retorno de parte da faixa de areia em frente à Avenida Litorânea, onde os três espigões foram construídos.
“Nós presenciamos aqui um público que eu acredito que nos últimos 15 anos nós não presenciamos. Então isso é a retomada da credibilidade dessa faixa de praia”, disse André Luiz Vasconcelos, secretário municipal de infraestrutura de Caucaia, em entrevista à TV Verdes Mares.
A pasta também informou, por meio de nota, que os estudos ambientais para as obras foram elaborados pelo Instituto de Pesquisas e Projetos da Universidade Estadual do Ceará (IEPRO-UECE), com participação dos Laboratórios de Ornitologia e Sistemática Animal, do Grupo de Estudos em Linguística e Discurso Autobiográfico e do Laboratório de Genética e Biotecnologia Aplicada da UFC.
Espigões construídos na orla de Caucaia seguem formato senoidal, em "S". — Foto: Prefeitura de Caucaia/Divulgação
O formato dos espigões ajudou a criar zonas de acúmulo de areia em locais específicos de cada estrutura, como explica a professora Narelle Maia de Almeida.
Estas zonas de acúmulo ficam no lado 'sotamar' dos espigões, que fica no lado oposto ao que recebe as ondas, os ventos e as correntes predominantes.
Segundo a pesquisadora, o formato em 'S' dos espigões busca evitar ou desacelerar o impacto que poderia ser transferido para as praias vizinhas. Isso porque as evidências científicas apontam que há transferência dos problemas para as praias adjacentes.
Os resultados para o Icaraí e para a costa da região ainda devem surgir com o passar dos anos. Até então, a geóloga aponta a necessidade de estudos que se aprofundem sobre as dinâmicas do litoral cearense.
"Sugerimos soluções baseadas na própria natureza para que não tenhamos um litoral completamente artificializado e com a perca das características naturais de nossas praias. Cada praia precisa ser detalhadamente estudada de forma local para verificar qual a solução mais adequada", conclui Narelle.
No anúncio das obras para o litoral de Caucaia, em 2021, a prefeitura e o governo do Ceará anunciou que o projeto completo de restauração costeira teria um total de 11 espigões. O investimento inicial de R$ 44 milhões seria para os três espigões que foram entregues, representando a área mais atingida pela erosão.
Em 2023, governo e prefeitura anunciaram o plano de revitalizar a Avenida Litorânea e fazer obras de urbanização para uso dos três espigões que já foram entregues na praia.
Em resposta ao g1, a Secretaria Municipal de Infraestrutura de Caucaia informa que o projeto técnico para a construção de mais oito espigões foi formulado e está em fase de captação de recursos. Quatro destas estruturas devem ser construídas na praia do Pacheco e outras quatro na praia da Tabuba.
Ainda conforme a pasta, o objetivo é proporcionar o acúmulo de areia próximo à faixa de praia para estabilizar as falésias e diminuir o impacto das ondas no continente.
*G1