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Terça-Feira, 26 de novembro de 2024

Polícia

Os desafios da farda e da paternidade de um policial militar após a perda da esposa

Os desafios da farda e da paternidade de um policial militar após a perda da esposa

(Imagem: Igor Lessa / Ascom PMAL e Cortesia)

Geralmente, atribui-se o título de “herói” àqueles que se dedicam a proteger os outros. Para uma criança, essa imagem de heroísmo muitas vezes se reflete nos pais. Quando um pai é policial militar, esse título ganha um significado ainda mais profundo e especial. Depois de conhecer histórias de pais policiais que inspiraram seus filhos, a segunda e última reportagem da série da Polícia Militar de Alagoas (PM-AL) alusiva ao Dia dos Pais apresenta um herói que usa farda e coturno e vivencia o desafio de criar os dois filhos após perder a esposa.

No quartel ele é o 2º sargento Dias, mas em casa ele é acionado sempre que Junior ou Iuri o chamam por “papai”. A rotina da família é regida por muito amor, parceria e disciplina, mas há três anos divide espaço com uma saudade insistente. Com a partida precoce da esposa Íris Dias, durante a pandemia da Covid-19, o militar assumiu o papel que ele denominou como ‘pai plus’. Reconfiguraram a vida, mudaram de endereço e desde então, o trio segue “mais unido do que nunca”, nas palavras do próprio combatente.

Nascido em Aracaju, Sergipe, Alessandro Soares Dias, ingressou na Polícia Militar de Alagoas no ano de 2002. Após o Curso de Formação de Praças (CFP), serviu no 11º Batalhão de Polícia Militar (BPM), sediado em Penedo, depois passou pelo 3º BPM de Arapiraca e pela atual 4ª Companhia de Polícia Militar Independente (CPM/I), que à época ainda se chamava 5ª CPM/I. Desde 2012, o militar faz parte do efetivo da 1ª CPM/I, com sede em São Miguel dos Campos. Mesmo trabalhando em Alagoas, ele permaneceu residindo em sua terra natal, conciliando a escala com a estrada. Depois de 2021, a vida mudou bastante.

Atualmente, reside no mesmo município alagoano em que trabalha e é pai do Alessandro Júnior, o Nuno, de 13 anos, e do Iuri Alexandre, que está prestes a completar 10 anos. “Casei em 2009. Um ano depois minha esposa Íris engravidou e veio o Alessandro Dias Júnior. O nome, igual ao meu e com ‘Júnior’ no final, eu já tinha escolhido desde os meus 15 anos. O nascimento do meu primeiro filho foi um marco muito importante. A paternidade te faz pensar mais no futuro do que normalmente se pensaria. Justamente por isso, nosso serviço policial militar, que nos expõe a riscos e a problemas que não são nossos, me tornei ainda mais cuidadoso”, refletiu.

Em uma casa com três homens, todos se empenham para manter a ordem e cumprir as tarefas. Ao falar dos herdeiros, o pai se diz coruja, mas sem superproteção: “Somos nós três em tudo. Nuno é o carinha fantástico que Deus colocou na minha vida. Ele é tranquilo. Seu jeito parece muito comigo nessa idade. Chegou com o poder de me transformar. É meu braço direito. Muito bom irmão e bom aluno. Iuri, como dizem, é meu ‘casca de bala’. Aquele que dorme agarrado, vai comigo para onde vou, inteligentíssimo, que provoca o irmão e leva bronca, mas é um menino de ouro que diz que quer ser médico e policial”, explicou.

“Meu plano era ter só um, mas minha esposa me fez pensar o quão solitária seria a vida de Nuno se fosse o único. Concordei com ela e planejamos o segundo filho. Ela engravidou, mas infelizmente, sofreu um aborto espontâneo. Vivemos uma tristeza profunda. O tempo foi passando e foi a minha vez de fazê-la acreditar que era hora de termos outro. Então ela engravidou do Iuri, que é o nosso bebê arco-íris [termo usado para se referir aos bebês que chegam após a perda prematura de um filho]. Depois que Iuri chegou, a alegria transbordou”, declarou Dias.

De PM, a esposo e pai. De pai, a pai ‘plus’

Em meados de 2004, mesmo já sendo PM, decidiu cursar ensino superior junto com um dos irmãos. Aprovados no vestibular, começaram o primeiro período do curso de Administração e Marketing. E foi na faculdade que Alessandro conheceu Íris. “Para ela não, mas para mim foi amor à primeira vista. Quando entrei na sala, foi o primeiro rosto que vi. Nos tornamos amigos, mas esperei o tempo certo para ter uma chance. Começamos a namorar, noivamos e casamos. Só depois da chegada do nosso segundo filho, ela foi diagnosticada com Lúpus”, relembrou.

De acordo com o Ministério da Saúde, o Lúpus é uma doença inflamatória autoimune que pode afetar múltiplos órgãos e tecidos, como a pele, as articulações, os rins e o cérebro. Em doenças dessa natureza, o sistema imunológico da pessoa ataca tecidos saudáveis do próprio corpo por engano. Na maioria dos casos, é crônico (portanto, não transmissível) e pode ser controlado com tratamento. A origem ainda é desconhecida, mas a literatura médica sugere que pode ser resultado de uma combinação de fatores hormonais, infecciosos, genéticos e ambientais. Entre as mais de 80 doenças autoimunes conhecidas atualmente, o Lúpus é uma das mais graves e significativas.

“Começamos uma batalha contra a doença, vivemos dias difíceis, e como era um tratamento severo que a deixava muito debilitada, então ela só podia fazer quando eu estava em Aracaju para dar suporte. Com o tempo ela começou a reagir positivamente à medicação e tudo estava indo bem”, recordou.

Até que em 2020, a pandemia de Covid-19 iniciou e assolou o planeta. No segundo ano pandêmico, o número de mortos em decorrência do coronavírus chegou a aproximadamente 1,8 milhão no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2021, enquanto o país amargava o número de óbitos crescendo em 18%, uma lacuna impossível de preencher se abria na casa da família Dias.

“Era final de junho e estava tirando o meu último serviço antes das férias. Durante a noite ela me ligou dizendo que sentiu falta de ar e pensou que iria morrer. A princípio, pensei que fosse só uma força de expressão. Voltei para casa, fomos ao hospital, ela testou positivo para Covid-19 e teria que ficar 48h em observação. Dia 28 ela deu entrada e ficou no oxigênio. No dia 1º foi entubada. Nunca mais falei com minha esposa. A última coisa que ela me disse, pelo celular, foi que eu tivesse paciência com os meninos. Foram 30 dias em coma. Até que no dia 03 de agosto, me ligaram do hospital de madrugada e eu já sabia o que era. Desde então, têm sido nós três”, resumiu com voz embargada.

“Falamos dela sempre e tenho a missão de manter seu legado, memória e imagem vivos. Alguém me disse que eu seria pai e mãe ao mesmo tempo. Eu digo que não. Nunca serei mãe porque o amor de mãe é celestial e sem comparação, mas o que sou para eles é um pai ‘plus’, um pai ‘mais’. Digo diariamente que amo muito e quero que sejamos sempre os melhores amigos e que tenham certeza que existe um pai completamente apaixonado e dedicado a eles. Nunca conseguirei substituir a mãe deles, mas quero que saibam que, mesmo que a tenham perdido muito cedo, o meu amor é tão grande quanto o dela”, refletiu.

Pai dedicado, militar comprometido

“Tanto para mim quanto para meu irmão, meu pai é a imagem do melhor homem que a gente já viu. Uma boa pessoa, aquele que sempre está com a gente. Enxergo meu pai como um herói também e tenho vontade de ser como ele”. O testemunho é do filho mais velho, que além de carregar o nome do pai-sargento aspira seguir a mesma profissão um dia.

Já para o comandante da 1ª CPM/I, major Eduardo Cavalcante, o pai de Nuno e Iuri é um diferencial na tropa: “O sargento Dias está sempre presente nas diversas atividades desenvolvidas pela nossa companhia. É um policial prestativo, comprometido com a Corporação e extremamente dedicado aos filhos”, descreveu o oficial. “Nós acompanhamos de perto a sua jornada desafiadora em ser pai solo após o falecimento de sua esposa. É perceptível que isso o torna cada vez mais forte e resiliente. O Dias também tem um papel importante nas atividades físicas realizadas na nossa unidade. Amante do futebol, ele é uma das lideranças no nosso time de craques”, completou o major Eduardo.

Além de ser bem visto por seus superiores, também é altamente respeitado entre seus pares e subordinados. A cabo Lucirlene Frias recorda o tempo em que fez parte da guarnição do sargento, ainda recém-formada. Ela destaca que, sob sua orientação, aprendeu muito na prática do policiamento ostensivo, observando sua forma criteriosa e eficaz de comandar. Alguém que não apenas corrige, mas também ensina.

“O sargento Dias é um profissional atento, cuidadoso, que gosta de ensinar e de trabalhar em equipe. Ainda como soldado e por quase um ano, fui patrulheira de sua guarnição e aprendi muito sobre o serviço policial, principalmente como a nossa profissão é importante para ajudar as pessoas nos momentos mais difíceis. Muito além da postura, segurança e abordagens, aprendi muito sobre empatia e humanidade que fazem a diferença na rotina policial e no bom serviço ao cidadão”, completou a cabo.

Filho, PM e pai

Sargento Dias conta que sua versão como profissional e como pai se deve em muito ao que aprendeu como filho do ‘seu’ David Dias, um homem que não tinha irmãos, mas se tornou pai de quatro filhos. Alessandro cresceu acompanhando o trabalho daquele que foi sua referência de integridade e profissionalismo, um pesquisador zeloso pelo serviço nos laboratórios da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

O pai sergipano não simpatizava muito quando o filho dizia que queria ser policial, mas o menino cresceu e o sonho de criança falou mais alto. Foram duas tentativas em concursos na terra natal, até que foi aprovado na PM do estado vizinho. No dia da formatura, o pai antes avesso à ideia de militarismo não conteve a emoção e disse que não sabia mensurar o orgulho: o seu primogênito se tornava o soldado Dias.

“Agora vivo num mundo de saudade. Primeiro, saudade do cara que era meu exemplo, meu grande amigo, aquele com quem conversava e procurava quando tinha problemas, aquele que me entendia e me aconselhava. Perder meu pai foi muito difícil, mas perder Íris, nunca imaginei”. O último abraço entre Alessandro e David foi há quatro anos, mas o exemplo permanece: “Eu fui educado para ser chefe de família. Foi para isso que meu pai me criou. Meu modelo de homem passou para mim que o ápice da realização masculina era constituir família. Só assim seria completo”, falou o sargento Dias.

Mesmo com pesares e duras despedidas, o militar conserva uma forma positiva de enxergar a vida, repetindo constantemente o pensamento de que “só vive o propósito quem suporta o processo”. E declara: “Sou extremamente agradecido, abençoado e realizado. Nunca me imaginei fazendo outra coisa. Sempre quis usar farda. Tenho o emprego que sonhei a vida inteira. Amo o que faço e acredito na nossa missão, que é a missão do bem. Acredito também que ser pai é um privilégio. Deus foi muito bom comigo. Assisti aos partos, sempre fiz e faço questão de ser presente, caminhar, aprender e aproveitar a vida com meus filhos. Eles dois são a grande missão da minha vida. A meta é transformá-los em bons homens. Eu adoro ser pai e espero estar fazendo um bom trabalho”, finalizou.

*Ascom PM-AL