Segunda-Feira, 29 de dezembro de 2025
Segunda-Feira, 29 de dezembro de 2025
Da ascensão nos bastidores do poder à condenação por trama golpista, o ex-diretor da Abin foge do país e aposta em curso online
Durante anos, Alexandre Ramagem construiu uma carreira que muitos invejavam. Delegado da Polícia Federal, ocupante de cargos estratégicos no coração do Estado brasileiro e figura de confiança do então presidente Jair Bolsonaro, parecia destinado a permanecer nos bastidores do poder.
O roteiro, no entanto, tomou outro rumo e terminou em condenação, fuga internacional e um inesperado projeto de curso online para angariar apoio financeiro.
Nascido no Rio de Janeiro e formado em Direito pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Ramagem ingressou na Polícia Federal em 2005, alcançando um dos cargos mais disputados da carreira jurídica.
Dentro da corporação, ocupou postos de comando e participou de operações de grande visibilidade nacional. À época, poucos imaginariam que o delegado experiente se tornaria personagem central de um dos capítulos mais controversos da política recente.
Entre 2016 e 2017, Ramagem chefiou as divisões de Administração de Recursos Humanos e de Estudos, Legislação e Pareceres da PF.
Especialista em investigações contra o tráfico de drogas, também atuou na coordenação de grandes eventos internacionais realizados no país, como a Copa do Mundo de 2014, a Olimpíada de 2016 e a Rio+20, conferência da ONU sobre meio ambiente. No Rio de Janeiro, integrou ainda a equipe da Operação Lava Jato.
Um dos episódios mais emblemáticos de sua trajetória ocorreu em outubro de 2007, quando comandou a Operação Metástase, responsável pela prisão de 32 suspeitos de fraudar licitações da Funasa (Fundação Nacional de Saúde).
Em 2010, atuou como delegado coordenador das eleições em Roraima, um pleito marcado pela apuração de mais de cem crimes eleitorais, incluindo casos de compra de votos com dinheiro vivo e material de campanha.
Em 2017, Ramagem esteve à frente da Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro que investigou um esquema de corrupção ligado ao ex-governador Sérgio Cabral. O currículo técnico, até então, seguia em ascensão.
A virada política veio após as eleições presidenciais de 2018. Ramagem chefiou a equipe de segurança de Jair Bolsonaro após a vitória no segundo turno e, em março de 2019, foi nomeado assessor da Secretaria de Governo.
Poucos meses depois, em julho, assumiu o cargo mais sensível de sua carreira: diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Ramagem assumiu a Abin em 2019Marcos Corrêa/PR - 11/07/2019
Chefe da Inteligência
À frente da Abin, Ramagem passou a coordenar atividades do Sistema Brasileiro de Inteligência e a assessorar diretamente o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Em abril de 2020, seu nome ganhou ainda mais projeção ao ser indicado por Bolsonaro para comandar a Polícia Federal, após a demissão de Maurício Valeixo. A nomeação, no entanto, acabou suspensa por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), sob o argumento de risco de desvio de finalidade.
Ramagem permaneceu na direção da Abin até abril de 2022, quando deixou o cargo para disputar as eleições. No pleito daquele ano, foi eleito deputado federal pelo PL (Partido Liberal), com 59.170 votos, representando o Rio de Janeiro.
Em julho de 2024, o partido apostou mais alto e oficializou sua candidatura à Prefeitura do Rio, em convenção fechada no centro da capital fluminense.
Condenação e fuga
Alexandre Ramagem caiu como quem escorrega na própria sombra. Condenado pelo STF a 16 anos, 1 mês e 15 dias de prisão, em regime inicial fechado, foi considerado peça-chave na engrenagem que tentou virar o jogo das eleições de 2022. Antes do desfecho judicial, porém, havia deixado o país.
O ex-diretor da Abin também perdeu o mandato de deputado federal em 18 de dezembro, após decisão da Mesa Diretora da Câmara. A cassação ocorreu na esteira da condenação definitiva pela trama golpista. Ramagem tentou segurar o cargo, mas o pedido acabou rejeitado.
Desde setembro, ele vive nos Estados Unidos, instalado em Miami. A rota da fuga, segundo as investigações, incluiu uma saída discreta por via terrestre até a Guiana e, de lá, um voo comercial com uso de passaporte diplomático.
Hoje, é considerado foragido da Justiça brasileira e alvo de um pedido formal de extradição.
Embarcou com passaporte inválido
A viagem ocorreu apesar de decisão do STF que determinava a entrega de todos os seus passaportes. Ainda assim, Ramagem conseguiu embarcar com um documento que deveria estar inválido. O detalhe técnico: sem mandado de prisão ativo ou difusão vermelha da Interpol, o sistema internacional não emite alerta automático, brecha suficiente para a fuga.
Durante as investigações, o ministro Alexandre de Moraes havia determinado a permanência do ex-deputado no país. Após a revelação da saída, a Câmara informou que não recebeu comunicação sobre qualquer deslocamento internacional e que não autorizou missão oficial no exterior.
A Casa também registrou que Ramagem apresentou atestados médicos cobrindo os períodos de 9 de setembro a 8 de outubro e de 13 de outubro a 12 de dezembro — intervalos que agora ganham nova leitura.
Para completar o roteiro, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, assinou a portaria que demite Ramagem do cargo de delegado da Polícia Federal.
Curso online e pedidos de ajuda
Com as contas bloqueadas por decisão judicial, a família passou a buscar alternativas. A advogada Rebeca Ramagem, mulher do ex-deputado cassado, afirmou nas redes sociais ter recebido “milhares de mensagens” de apoiadores dispostos a ajudar financeiramente.
Em nota, ela agradeceu a solidariedade, mas explicou que, devido ao bloqueio bancário no Brasil, não há meios diretos para receber doações.
Como alternativa, anunciou que Ramagem trabalha na criação de um curso online, a ser disponibilizado em plataformas digitais. A proposta, segundo Rebeca, é oferecer conteúdo de “valor acessível”, transformando o apoio político em matrícula virtual.
Assim, o homem que transitou pelos corredores da Polícia Federal, da Abin e do Congresso Nacional tenta, agora, reinventar-se no mercado digital, longe do país e à espera de uma decisão sobre seu futuro judicial.
A defesa
A defesa do ex-deputado federal Alexandre Ramagem apresentou recurso contra a condenação a 16 anos de prisão na ação penal da trama golpista.
No pedido, os advogados reiteram a solicitação de absolvição e afirmam que ele teria direito aos chamados embargos infringentes — possibilidade rejeitada pelo relator do caso, ministro Alexandre de Moraes.
Segundo a defesa, Ramagem não participou da trama golpista e sua condenação não encontra amparo no conjunto probatório reunido durante a investigação.
“Alexandre Ramagem jamais integrou qualquer organização criminosa vocacionada à deposição do Estado Democrático de Direito. Longe disso, aliás, pois o propósito do embargante era integrar um dos poderes da República, o Legislativo, pela via democrática, projeto colocado em prática com notório êxito”, sustentaram os advogados.
Ramagem foi condenado pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Por ter exercido mandato de deputado federal, parte das acusações ficou suspensa, especificamente os crimes de dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, ambos relacionados aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Com a cassação do mandato, no entanto, o ministro Alexandre de Moraes determinou a retomada da ação penal.
*R7/Brasília