A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara deve começar a analisar nesta terça-feira (4) uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que criminaliza o porte e a posse de drogas, independentemente da quantidade.
O relator, deputado Ricardo Salles (PL-SP), diz já ter votos suficientes para aprovar a PEC, mas prevê que deputados governistas devem obstruir a votação e pedir vista - mais tempo para análise do projeto.
O pedido de vista tem prazo de duas sessões do plenário da Câmara, o que provavelmente adiará a votação na CCJ para a próxima semana.
O texto já passou pelo Senado e foi assunto de audiência pública na Câmara, onde deverá ser votado na CCJ e em uma comissão específica, chamada de comissão especial, responsável por discutir o mérito do projeto.
Somente após esta etapa a proposta estará pronta para ir ao plenário. A votação, no entanto, dependerá do presidente da Câmara, a quem cabe incluir o tema em pauta.
A proposta prevê a inclusão da criminalização do porte e da posse de qualquer quantidade de droga no artigo da Constituição que trata dos direitos e garantias individuais. Para especialistas, isso pode criar ambiente para endurecer legislação e retomar prisão de usuários (leia mais abaixo).
A PEC entrou no radar do Congresso como reação de parlamentares ao avanço do Supremo Tribunal Federal (STF) em um julgamento que pode descriminalizar o porte de maconha, em pequena quantidade, para uso pessoal.
O que diz a proposta
Além de criminalizar o porte e a posse, a proposta prevê inserir na Constituição que deverá haver distinção entre traficante e usuário. O usuário terá penas alternativas à prisão.
Na prática, para especialistas, a proposta não traz inovações e repete o conteúdo já existente na Lei de Drogas, em vigor desde 2006. Agora, a PEC busca inscrever a criminalização na Constituição, o que tornaria mais difícil mudar a regra no futuro.
Atualmente, a Lei de Drogas estabelece que é crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal, mas não pune a prática com prisão. São estabelecidas penas alternativas, como advertência, prestação de serviços comunitários e comparecimento a cursos educativos.
A lei não define qual a quantidade de substância que separa o traficante do usuário, deixando a definição a cargo de uma avaliação que, na prática, é subjetiva da Justiça. A PEC, por sua vez, repete o mesmo teor, sem definir critérios objetivos para diferenciar o consumo e o tráfico.
Especialistas
Para além do embate entre Judiciário e Legislativo sobre a descriminalização do porte de drogas, especialistas ouvidos pelo g1 dizem que a PEC reforça desigualdades e o estigma, além de manter potencial discriminatório em abordagens policiais.
Eles avaliam que a discussão promovida pelo Congresso, o mais conservador desde a redemocratização, e a proximidade das eleições municipais podem alavancar o populismo penal e provocar retrocessos na Lei de Drogas.
Entre os problemas apontados pelos especialistas a respeito da PEC, estão o possível agravamento de situações como:
▶️ afastamento de pessoas que usam drogas da rede de saúde pública;
▶️ reforço de estigma sobre pessoas que usam drogas;
▶️ encarceramento excessivo e insustentável;
▶️ aumento do potencial discriminatório das abordagens policiais;
▶️ a violência contra a população negra e de favelas;
▶️ a elevação dos custos da Lei de Drogas aos cofres públicos;
▶️ quebra de compromissos internacionais e tratados pela garantia de direitos das pessoas que fazem uso de drogas.
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