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Política

‘Cidadão de bem não quer anistiar quem bateu em polícia’, afirma autor de nova proposta

Em entrevista ao R7, o senador Alessandro Vieira disse esperar que o Congresso vote um ‘texto alternativo e equilibrado’

‘Cidadão de bem não quer anistiar quem bateu em polícia’, afirma autor de nova proposta

O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) (Imagem: Agência Senado)

Autor de uma proposta alternativa ao projeto de lei em análise na Câmara dos Deputados que anistia os condenados pelos atos extremistas do 8 de Janeiro, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) critica o texto dos deputados, que segundo ele é uma “forma oportunista” de manter um público cativo.

“Nenhum cidadão de bem, para usar uma expressão que é tão comum nos dias de hoje, vai querer anistiar quem bateu em polícia”, disse Vieira em entrevista ao R7. Para ele, o projeto relatado pelo deputado federal Rodrigo Valadares (União-SE) — que está parado na Câmara — “não é um caminho de equilíbrio”, mas um perdão irrestrito.

 

Vieira defende a revisão dos julgamentos dos envolvidos nos atos do 8 de Janeiro de uma forma técnica, mas sem impunidade. A proposta de sua autoria é estudada pelo presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (União-AP), que busca alternativas ao lado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ao projeto da anistia.

A proposta de Vieira altera dois artigos do Código Penal, que tratam sobre os crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito — dois dos três crimes imputados aos envolvidos no 8 de Janeiro que estão sendo condenados pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Em resumo, a proposta diminui as penas mínimas e máximas nos casos em que o envolvido tenha sido influenciado por multidão em tumulto e praticado “atos materiais”, sem participação no planejamento ou financiamento do ato.

Além disso, a proposta estabelece uma fusão dos dois crimes quando cometidos em conjunto. A ideia é que o crime de abolição absolveria o de tentativa de golpe para evitar que haja a soma das penas.

“O que me motivou [a apresentar o projeto] foi a constatação de que, entre os ministros, existiam resistências e percepções de que existiam excessos, mas eles não conseguiam avançar, talvez pelo contexto em que o julgamento está acontecendo”, explicou o senador.

A seguir, confira os destaques da entrevista ao R7:

R7 — O senhor é a favor da anistia aos presos do 8 de Janeiro? O que o motivou a apresentar um projeto alternativo?

Alessandro Vieira — Sou contra qualquer forma de anistia unilateral que não aprecia os fatos. Basta abrir os olhos para ver que houve cometimento de crimes no 8 de Janeiro e em momentos anteriores. O que defendo e coloquei no projeto é que a punição se dê dentro do que a nossa Justiça e direito historicamente preveem: individualização de conduta, penas proporcionais e garantia da defesa.

Ao fazer o projeto, a gente teve esse cuidado de atender tecnicamente esses pontos. Então, é um projeto simples, trás a previsão clara de que as pessoas que forem acusadas por abolição violenta e golpe de Estado, pela mesma situação fática, devem ser punidas apenas pelo golpe de Estado, pois é crime-meio e crime-fim, como existem em vários outros crimes na legislação.

A gente cria um tipo penal privilegiado, de pena mais baixa para aqueles cuja prova nos autos aponta apenas para atos materiais, ou seja, não participaram de reuniões prévias, não tiveram preparações, planejamentos e financiamento — o que significa a imensa maioria das pessoas que estão presas hoje ou que já foram condenadas.

Por fim, a gente pede que se individualize a conduta de cada um, porque isso é fundamental para garantir o direito à defesa. Não tenho como condenar, por exemplo, uma pessoa por associação criminosa armada se não consigo provar a relação dela com os outros. Provo apenas que ela estava em uma multidão. E sempre com essa cautela de diferenciar o joio do trigo, grupo de massa de manobra e quem estava na coordenação dos atos ditos golpistas.

R7 — Como o senhor analisa os julgamentos feitos pelo STF sobre o 8 de Janeiro? O STF estaria exagerando?

Alessandro Vieira — Existe um exagero nas penas e interpretação forçada. Esse mesmo Supremo é o que anula processos quando se tem prova pericial, depoimentos, confissões e delações por questões processuais. Mas que, nesse caso específico, quando eles estão figurando, ao mesmo tempo, como julgadores e vítimas — porque todos foram vítimas no ataque, tiveram a vida virada do avesso e o local de trabalho destruídos —, estão julgando, para usar a expressão do ministro Luiz Fux, com uma “forte emoção”.

E não há o que fazer, eles são julgadores, não tem ninguém para julgar no lugar deles, são eles mesmo. Mas o parlamento tem o papel de apresentar caminhos. A proposta de anistia que tramita não é um caminho de equilíbrio. Ela é um perdão irrestrito. Como vai se perdoar quem agrediu policial, destruiu patrimônio e atentou, claramente, contra a democracia? Não tem como fazer isso, mas há como fazer com que o julgador atue no estrito limite daquilo que originariamente ele faz, que é analisar a prova dos autos, que foi o que o ministro Fux fez.

Não tem prova nos autos de que aquela senhora [Débora Rodrigues, que pichou a estátua da Justiça com a frase “Perdeu, mané”] participou de planejamentos ou atos anteriores. Não tem, sequer, troca de mensagens dela anteriores ao fato que mostrassem a preparação para um golpe de Estado, muito menos a participação em uma organização criminosa armada.

Um projeto técnico como esse, ao mesmo tempo em que desagrada aos extremos, atinge aquilo que é necessário: garantir para cada cidadão o direito de se defender e de ser julgado conforme a lei.

R7 — Como andam as negociações entorno do projeto?

Alessandro Vieira — Estive com o presidente [do Senado] Davi Alcolumbre e com alguns colegas da oposição. A gente tem que separar aquilo que é defesa da democracia, do devido processo legal, defesa dessas pessoas e dessas famílias e o que é defesa de uma narrativa política.

A defesa da anistia, como está posta, é uma defesa de uma narrativa política. Eles sabem perfeitamente que ela não é viável tecnicamente. Juridicamente, ela não vai acontecer. Em algum momento, eles vão ter uma clareza de que não podem usar essas pessoas como massa de manobra.

Com relação ao presidente Alcolumbre, acredito que, tanto ele quanto o presidente Hugo Motta, têm todo interesse em encontrar uma solução técnica que equilibre esse jogo, que coloque novamente nossa Suprema Corte em um equilíbrio.

O projeto que presentei, ou outro que seja feito de teor parecido, tem total condições de cumprir esse papel.

R7 — O senhor aceitaria quais sugestões ao texto?

Alessandro Vieira — No processo legislativo, apresentamos o projeto, e ele vai tramitar. Na tramitação, pode acontecer um monte de coisas, e não cabe ao autor do projeto dizer o que pode ou o que não pode. Cabe, sim, fazer a defesa técnica, e tenho condições defender tecnicamente cada ponto do projeto, mostrar que não tem nenhuma invenção ou excesso e que resolve efetivamente, de uma forma muito alinhada com nosso histórico judicial, permite que tenhamos uma revisão dessas penas, a revisão dos julgamentos de uma forma técnica, ao mesmo tempo que não gera impunidade.

A gente teve agressão a policiais, destruição de patrimônio, articulação para ataque contra a democracia. Esses crimes são graves e precisam ser punidos, mas proporcionalmente e com as condutas devidamente individualizadas.

R7 — Como foi a construção desse projeto alternativo? O senhor fez sozinho?

Alessandro Vieira — Todo projeto desse tipo, baseado na área do direito, fazemos com a equipe própria do gabinete, com a consultoria e com a escuta dos profissionais do direito, como professores e a academia.

O que me motivou [a apresentar o projeto] foi a constatação — a gente foi acompanhando os julgamentos —, de que, entre os ministros, existiam resistências e percepções de que existiam excessos, mas eles não conseguiam avançar, talvez pelo contexto em que o julgamento está acontecendo.

Apresentamos o projeto com essa compreensão de ser uma solução técnica, equilibrada, que encaminhe todo mundo para, não impunidade, mas para punições mais equilibradas. Conseguimos construir um bom texto.

R7 — O senhor teme que o projeto, eventualmente aprovado e sancionado, seja judicializado?

Alessandro Vieira — A gente não pode legislar com essa preocupação, porque absolutamente tudo na vida pode ser judicializado. O que importa é que você tenha um produto final que seja tecnicamente sustentável.

Não adianta, de forma oportunista, aprovar uma legislação francamente inconstitucional. Eventualmente, isso acontece. É muito negativo, porque você está enganando as pessoas.

Vemos um reconhecimento posterior à apresentação (do projeto), por parte de alguns ministros, (dizendo) que é uma proposta que, tecnicamente, está correta, não teria como questionar e que não teria como dizer que é inconstitucional.

(Os ministros) podem não gostar. É um direito deles, é um direito meu também não gostar do que eles fazem. Mas mudar em uma canetada, acho muito difícil, como está hoje o projeto. Vamos esperar a tramitação, se ela vai acontecer e se atende.

R7 — Como o senhor avalia o projeto da anistia que tramita na Câmara?

Alessandro Vieira — Ele (o projeto) tem esse problema de origem, que me parece ser insanável, que é a defesa de uma anistia total. Nenhum cidadão de bem, para usar uma expressão que é tão comum nos dias de hoje, vai querer anistiar quem bateu em polícia, quem quebrou patrimônio público, quem destruiu as coisas e causou prejuízo.

Pode-se até discutir, ideologicamente, se teve, ou não, (tentativa) de golpe. Eu acredito que teve uma tentativa de golpe, tudo me indica neste sentido. Mas dizer que não teve crime é uma irresponsabilidade.

Então, vejo como um projeto inviável e que serve para, de forma oportunista, manter um público cativo prestando atenção neste assunto, sabendo que não vai para frente, mas garante a narrativa política eleitoral.

R7 — O discurso político entorno da anistia pode impulsionar uma votação do projeto ou de uma alternativa ainda este ano?

Alessandro Vieira — Teremos votação de algum texto alternativo e equilibrado, não sei se começando pelo Senado ou pela Câmara dos Deputados, porque é um problema que está na mesa, e a gente tem que resolver.

A gente não pode ficar empurrando para o Judiciário essa conta e, depois, ficar aqui fazendo narrativa e reclamação. A gente tem que resolver, e acho que temos condições. Os presidentes das Casas manifestaram interesse em resolver. Então, acho que vai chegar, sim, à votação, mas não vai ser um caminho fácil.

R7 — A Câmara aprovou um pedido para suspender a ação penal no STF da tentativa de golpe de Estado. Como o senhor avalia isso?

Alessandro Vieira — É muito evidente que não pode paralisar a ação toda. Todo mundo sabe disso. Infelizmente, temos alguns colegas que escolhem uma via oportunista. Eles fazem uma coisa apensa para marcar ponto na internet e no eleitorado, mas com total consciência de que não é viável.

Não se vai paralisar um processo imenso por conta de um investigado. Eventualmente, pode se paralisar e, mesmo assim, vai ser discutido se atos anteriores à diplomação dele podem ser objeto de paralisação pelo Congresso. Então, é mais um dos muitos movimentos que temos testemunhado aqui, que são só jogo para a plateia.

*R7

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