Terça-Feira, 26 de novembro de 2024
Terça-Feira, 26 de novembro de 2024
As reuniões ministeriais preparatórias para a cúpula do G20 — grupo das 19 maiores economias desenvolvidas e emergentes do planeta mais a União Europeia — estão a pleno vapor. O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, participa da etapa final do Grupo de Trabalho sobre Emprego do G20, em Fortaleza, nos próximos dias 25 e 26, e pretende fazer um balanço positivo do mercado de trabalho no país. Além de apresentar dados positivos do setor, o ministro pretende compartilhar os avanços da Lei de Igualdade Salarial no país para o debate da iniciativa dos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e dos Estados Unidos, Joe Biden, para combater o trabalho precário.
A taxação dos super-ricos G20, uma bandeira do Brasil, que preside o bloco e sediará a cúpula, em novembro, no Rio de Janeiro, também está na pauta. “Falta distribuir a riqueza presente globalmente e também no país”, afirma Marinho, em entrevista ao Correio.
Em busca da melhora da remuneração, o ministro defende o fortalecimento dos sindicatos e a volta do imposto de 35% para os carros elétricos importados “o quanto antes”. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Os dados do mercado de trabalho estão vindo bastante positivos neste ano, com queda no desemprego e aumento da massa salarial acima das expectativas. Que balanço o senhor vai fazer no encontro ministerial do G20?
Estamos com os indicadores de desemprego mais baixos nas últimas décadas. No ano passado, geramos um saldo de quase 1,5 milhão de empregos. De janeiro a maio deste ano, 1.088.000 de novas vagas. Outro dado importante desses cinco meses é o emprego gerado na indústria. Nos primeiros cinco meses do ano passado, foram 123 mil, e, neste ano, 209 mil. Isso dá um crescimento de 69,9%. Esse é o panorama do emprego, com crescimento da renda, puxado pela retomada da política de valorização do salário mínimo. Se não fosse ela, desde 2003 até agora, o mínimo seria de R$ 742. Hoje, é R$ 1.412. Isso, por si, responde a alguns editoriais também, que defendem a desvinculação do salário mínimo dos benefícios sociais e da Previdência. É isso aqui que provoca a distribuição de renda no país. A principal ferramenta de distribuição de renda passa pela valorização do salário mínimo, porque, infelizmente, não conseguimos ainda colocar 1% dos bilionários no Imposto de Renda de verdade. A reforma tributária é um avanço. Como o Lula costuma dizer, não falta riqueza nem no país, nem no mundo, para acabar com a fome e a miséria. Falta distribuir essa riqueza presente globalmente e também no país.
Uma das pautas do Brasil no G20 é a tributação da renda dos mais ricos. O senhor vai conversar sobre isso com os ministros?
Isso está presente em toda a nossa lógica de intervenção global, desde quando a iniciativa Lula-Biden de combate ao trabalho precário, da campanha para que todos trabalhem a lógica do conceito que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) pregou de trabalho decente. Não há trabalho decente sem boa remuneração. As transições energéticas têm que chegar no chão das empresas, têm que chegar no posto de trabalho, têm que chegar nas condições de melhoria da vida real das pessoas, inclusive, do trabalho. Emprego e renda estão crescendo, mas ainda é insuficiente. E o debate que está avançando é o da Lei da Igualdade Salarial para a mesma função. Creio que ele está bem interessante, porque, depois de toda grita feita, temos um saldo residual de empresas que questionaram a lei judicialmente, de 415 empresas, e outras 49.586 entregaram o relatório sem nenhum problema. No segundo relatório, em setembro, esse número deve chegar a 52 mil empresas. Então, acho que é uma coisa que está indo bem. Toda a grita feita por poucos não reflete a realidade de muitos.
Haverá alguma declaração conjunta ou algum tema específico nesse encontro ministerial do G20?
Esperamos que tenha essa declaração conjunta. Tudo isso, seguramente, estará presente, igualdade, combate à fome, que têm muito interesses dos países membros. Queremos um processo que eleve a condição de vida dos trabalhadores globalmente. Os países do G20 creio que têm muita responsabilidade nisso e nós queremos criar emprego com qualidade, que promova o trabalho decente, ou seja, combate a qualquer trabalho forçado, precário, enfim, e que caminhe para ir eliminando a pobreza e a fome. É preciso ter empregos, qualidade de empregos, e o salário mínimo tem um papel determinante nessa distribuição de renda.
Como é que o Brasil vai se colocar nessa questão do desemprego, da evolução da massa salarial em relação aos outros países do G20?
A lógica é de chamar a atenção para a necessidade de os países G20 liderarem globalmente pela melhoria da prática da relação de trabalho. A iniciativa Biden-Lula pode influenciar nesse processo, de estimular que as nações busquem liderar no conceito do trabalho decente que a OIT pregou: um trabalho decente é um trabalho não forçado, com remuneração boa, respeito à diversidade, um melhor papel da presença da mulher na economia, especialmente da mulher negra, que acaba sofrendo duplo preconceito muitas vezes. A Lei da Igualdade Salarial pode estimular isso e há um grande interesse das nações no que o Brasil está fazendo nesse campo. Vamos socializar as experiências que temos e a declaração que se busca em relação a isso, como orientar para que todos trabalhem em sintonia buscando melhorar essas questões, com respeito não só à diversidade, igualdade de gênero, mas também em relação à questão climática, meio ambiente, desenvolvimento, enfim, tudo isso acaba gerando críticas e criando políticas públicas. Cada país pode olhar lá a sua experiência e buscar fazer. Você tem um monte de questões e cada país está trabalhando a seu modo, claro. No ano passado, conseguimos, com muita dificuldade, uma declaração conjunta. Espero que esteja mais assentado esse debate agora, que não dificulte tanto.
O que mais podemos ver nesses encontros do G20?
Estamos fazendo esforço para os nossos carros híbridos. Vamos transportar os ministros do G20 para eles conhecerem o produto brasileiro mais eficiente, ecologicamente falando. Ele não é 100% elétrico e não é 100% combustão. Por enquanto, só a Toyota está produzindo no Brasil e queremos mostrar que o nosso produto é o melhor, porque o Brasil tem um diferencial em relação ao resto do mundo, que é a sua matriz energética. O etanol faz muita diferença nisso aqui. Vamos mostrar essa comparação do carro 100% elétrico chinês, com o carro híbrido brasileiro. O brasileiro é mais eficiente. A matriz energética deles é o carvão. Temos que olhar o conceito do carro todo, do minério ao carro rodando, a cadeia. Nós temos que enaltecer o produto brasileiro. Por que eu vou importar carro chinês a imposto zero igual o Jair Bolsonaro fez? Se os bacanas querem ter um carro elétrico importado imediatamente, que paguem os 35% de imposto. Tem que subir (o imposto). Por que eu vou bancar interesse bacana para gerar desemprego no Brasil?
Hoje, o imposto sobre o carro elétrico é 18%. Há alguma previsão de ele voltar para 35%?
Há uma escala (para subir os impostos), mas eu acho que tem que antecipar. Mas é uma pergunta para o vice-presidente, Geraldo Alckmin. Ele liderou o processo. Tem que chegar a 35% logo. Na minha opinião, tem que apertar esse calendário.
Como a pasta vê o plano de transformação ecológica, que é uma das pautas debatidas como uma oportunidade nesse sentido?
Quando a gente fala de transição energética, estamos falando de transição ecológica e é necessário que ela seja justa e inclusiva. Esse é o processo que garante, acima de tudo, melhoria de qualidade de vida. E melhoria de qualidade de vida passa por remuneração, passa por qualidade de emprego. Nós queremos, como o presidente Lula falou, responsabilidade fiscal, econômica e social. E tem uns que só estão interessados se vai ter dinheiro para pagar os compromissos do Brasil. Temos reserva cambial. Estamos em um bom momento do ponto de vista da economia. Queremos continuar crescendo, acima de tudo, em condições melhores para o povo trabalhador. Mas o mercado de trabalho tem um problema, que é a baixa remuneração.
Aliás, é a nossa armadilha da renda média baixa. O Brasil está preso e não consegue sair…
O que precisa é olhar que nós estamos produzindo novos bilionários e mais gente com dificuldade aqui embaixo, no piso dessa pirâmide. Se tem alguns que ficam bilionários, é porque essa distribuição de renda está injusta. E quando se fala de botar os bilionários no Imposto de Renda, não estou falando do dono da oficina, do dono da padaria, do boteco, que, às vezes, acha que é com ele. Estamos falando de 1% da população. O pessoal tem que filtrar melhor esse negócio para entender quais são as nossas tarefas. Muitas vezes, esse pessoal serve de bucha de canhão para defender os bilionários. E como é que se defende a indústria nacional? Abrindo as porteiras de importação, reduzindo lá em líquido a zero a importação, como foi feito no governo anterior, não é. Temos que ter regras que protejam a nossa indústria.
Mas tem que proteger a indústria boa, não a ineficiente que fica tirando vantagem do protecionismo…
Tem que proteger a indústria nacional. Não existe indústria ruim. Indústria boa gera emprego e gera bons salários. Evidente que o seguinte, as empresas têm que ter capacidade tecnológica, têm que ter capacidade, têm que ter produtividade, tudo isso, têm que ter. E uma das questões da produtividade passa pela remuneração. O trabalhador mal remunerado vai ficar infeliz. Infelicidade gera depressão, gera acidente, gera um monte de coisa. O empresariado tem que se tocar disso. Não tem só a lógica de que, porque destruíram os direitos trabalhistas, agora eu posso pagar salário de miséria. E o povo também tem que olhar isso porque ele é o soberano do processo eleitoral. Ele tem que filtrar o Congresso que ele quer.
Qual é a estratégia para melhorar o salário do trabalhador?
Negociação, fortalecimento dos sindicatos. Portanto, o povo tem responsabilidade. Ao eleger um Congresso refratário que quer destruir os sindicatos, vai piorar o salário. Você não tem quem o defenda. O empresariado, por si, não vai dar bons salários, se não for resultado de luta, de negociação e de convenção coletiva.
Seria uma soma, então, dessa reforma do Imposto de Renda mais um fortalecimento dos sindicatos?
Claro. O compromisso do presidente Lula foi retomar a política de valorização do salário mínimo e estamos vendo o resultado. E tem a isenção do Imposto de Renda. Até dois salários mínimos, hoje, não tem dedução na folha. Isso elevou os salários e está provocando geração de emprego. Se, até o fim de 2026, conseguirmos elevar essa isenção para até R$ 5 mil, na verdade, será uma distribuição de renda para cima. Todo mundo ganha, mas, especialmente, os de baixo. Isso gera mais consumo e gera mais emprego. Do outro lado, você tem que controlar a inflação, claro. Agora, o controle da inflação que o Banco Central tem feito é pelo lado errado, pela restrição ao crédito, com aumento de juros. Isso é incompatível com a ideia de gerar empregos e investimentos. É isso que está sangrando.
O desemprego está em 7,1%. Isso tem a ver apenas com essa questão do reajuste do salário mínimo ou tem alguma outra explicação também?
Acho que é um conjunto de questões. Tem as ações feitas, comandadas pelo nosso vice-presidente Geraldo Alckmin sob a liderança do Lula, de rever tarifas de importação de pneu, de carro, tudo isso aqui gera oportunidade. Foi feito o maior anúncio de investimento concentrado em um período curto da indústria automobilística, acho que na história, de R$ 130 bilhões. É isso aqui que está movimentando a economia: a política do salário mínimo. O que eu fico abismado é de alguém achar que nós vamos ser irresponsáveis fiscalmente. O compromisso fiscal está colocado. Mas querem desvincular o salário mínimo do não sei o quê. Isso não está colocado. Faz parte do bojo da proteção social para o povo ter renda e poder consumir.
*Correio Braziliense