Sábado, 30 de novembro de 2024
Sábado, 30 de novembro de 2024
Apurações da Polícia Federal apontam que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) pode ter sido "instrumentalizada" para monitorar ilegalmente uma série de autoridades e pessoas envolvidas em investigações, além de desafetos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O uso indevido da Abin teria ocorrido quando o órgão era chefiado por Alexandre Ramagem (PL-RJ), aliado de Bolsonaro que, atualmente, é deputado federal. Ramagem foi alvo de uma operação da PF nesta quinta-feira (25).
O crime, segundo as investigações, envolvia o uso do software "First Mile", ferramenta de geolocalização que permite identificar as movimentações de pessoas por meio dos celulares delas.
PF aponta que Ramagem deu aval para monitoramento ilegal pela ‘Abin paralela’.
A operação "Vigilância Aproximada" da Polícia Federal foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que retirou o sigilo da decisão nesta quinta.
Na decisão, Moraes escreveu que, sob a direção do deputado Alexandre Ramagem, policiais fizeram serviços de "contrainteligência ilícitos".
E, ainda, que Ramagem usou o órgão para fazer espionagem ilegal a favor da família do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ao todo, a PF cumpriu 21 mandados de busca e apreensão em endereços suspeitos em Brasília, Juiz de Fora, São João del Rei, e Rio de janeiro.
A TV Globo apurou que Alexandre Ramagem era o principal alvo da operação.
Foram feitas buscas no gabinete de Ramagem e no apartamento funcional da Câmara nesta quinta.
Segundo a PF, além das buscas, foram tomadas outras medidas alternativas à prisão, incluindo a suspensão imediata de sete policiais federais supostamente envolvidos no monitoramento ilegal.
A lista dos espionados inclui a ex-deputada Joice Hasselmann, que era aliada de Bolsonaro no início do mandato. Ela chegou a ser líder do governo no Congresso, mas rompeu com o ex-presidente.
Também foi alvo de espionagem o ex-deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara na primeira metade do mandato de Bolsonaro. O ex-parlamentar também se tornou um desafeto do ex-presidente e aliados.
A PF afirmou a Alexandre de Moraes que o monitoramento de Joice e Maia, feito "a pedido de Ramagem para posterior divulgação apócrifa", ocorreu durante um jantar de ambos do qual advogados também participaram.
As investigações dão conta ainda de que um servidor da Abin "teria sido flagrado pilotando um drone nas proximidades da residência do então governador do Ceará, Camilo Santana (PT-CE)", sem justificativa técnica para tal ação.
A decisão de Alexandre de Moraes não apresenta mais detalhes sobre o contexto do suposto monitoramento do petista pela Abin.
Atualmente, Camilo Santana é ministro da Educação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Conforme as investigações, também foram localizadas anotações que indicam que servidores da Abin tentaram associar deputados federais e ministros do STF a uma facção criminosa de São Paulo, com o intuito de desmoralizá-los.
No caso do STF, foram coletadas informações sobre o julgamento de uma ação, a ADPF 579, que tratava de visitas íntimas em presídios, e a participação de uma ONG nessa ação.
Nesse contexto, segundo a PF, "identificou-se anotações cujo conteúdo remete à tentativa de associar deputados federais, bem como Exmo. ministro relator Alexandre de Moraes e outros parlamentares à organização criminosa PCC".
Cerca de 1,5 mil números de telefones foram alvo de espionagem, segundo dados obtidos pela investigação da PF. Foram 60 mil acessos para monitorar esses números de telefone, segundo apurou o blog da Natuza Nery.
A investigação da PF apontou que o software israelense "First Mile", comprado pelo governo, usava de GPS para monitorar irregularmente a localização de celulares de servidores públicos, políticos, policiais, advogados, jornalistas e até mesmo juízes.
Naquele momento, quando a denúncia do uso do sistema veio à tona, a Abin confirmou ao g1 que utilizou a tecnologia. O programa foi comprado no fim do governo Temer, a poucos dias da posse de Jair Bolsonaro, e usado até parte do terceiro ano do seu mandato.
A Polícia Federal afirmou ao ministro Alexandre de Moraes do STF, que integrantes da atual cúpula da Abin, nomeados para os cargos pelo presidente Lula, adotaram postura que interferiu e até prejudicou as investigações sobre o monitoramento ilegal feito pelo órgão.
A pretexto de proteger informações sensíveis, segundo a PF, a atual gestão da Abin estaria dificultando o acesso a dados relevantes para a apuração das responsabilidades dos gestores anteriores, nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
"A preocupação de 'exposição de documentos' para segurança das operações de 'inteligência', em verdade, é o temor da progressão das investigações com a exposição das verdadeiras ações praticadas na estrutura paralela, anteriormente, existente na Abin", diz relatório da PF.
Segundo as investigações, a Abin espionou ilegalmente Simone Sibilio, ex-coordenadora da força-tarefa do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que investigou as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Durante a investigação sobre a espionagem, a Controladoria Geral da União (CGU) encontrou um resumo do currículo da promotora do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que coordenava a força-tarefa que investigava as mortes de Marielle e Andreson.
Esse documento, segundo as investigações, estava formatado do mesmo jeito que outros relatórios apócrifos criados pela estrutura paralela de espionagem existente na Abin durante o governo Bolsonaro.
"(...) ficou patente a instrumentalização da Abin, para monitoramento da Promotora de Justiça do Rio de Janeiro e coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e o motorista que lhe acompanhava Anderson Gomes", escreveu Moraes.
A decisão de Moraes não esclarece qual seria o objetivo do monitoramento da promotora responsável pelo caso.
O deputado Alexandre Ramagem disse, em entrevista à GloboNews, nesta quinta-feira (25) que nunca teve acesso às senhas de sistemas de monitoramento First Mile para espionar autoridades públicas e cidadãos comuns. A declaração foi dada durante entrevista à GloboNews nesta tarde.
"Nós da direção da Polícia Federal, policiais federais que estavam comigo, nunca tivemos a utilização, execução, gestão ou senha desses sistemas", pontuou Ramagem.
“Quando nós fomos ouvir o diretor responsável pelas senhas e pela gestão para demonstrar como funciona ou para melhor funcionar (...) não estava tendo isso. Quando se negaram a me informar como eles estavam trabalhando com a ferramenta, eu exonerei esse diretor, que era o chefe dessa ferramenta, e encaminhei todo o procedimento para a corregedoria”, completou o deputado.
Ramagem também disse que o celular e o computador encontrados no gabinete dele durante as buscas eram "equipamentos antigos, sem utilização".
"Poderia devolver, mas estava ali, não sabia, pensei que fosse da Polícia Federal antiga, que eu tenho direito à custódia. Eu tinha direito à custódia, à cautela. São computador antigo e telefone antigo, sem nenhuma utilização (...), sem entrar em qualquer tecnologia da Abin, sem ter contato com sistemas da Abin", disse.
Sobre a suspeita de espionar Simone Sibilio, que investigou as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes, Ramagem se posicionou com surpresa.
"Quando veio a mim a questão de Marielle ali na Abin eu fiquei até 'como é possível, como que vai ter algo da Marielle, algo da investigação, utilização do sistema? Não'. Aí eu verifiquei que não tem nada a ver com o sistema, é um currículo da promotora, e parece que é uma informação que circulou ai", afirmou Ramagem na entrevista.
A Abin informou que tem 10 meses que a atual gestão vem contribuindo com os inquéritos da PF e STF e que é "a maior interessada em esclarecer eventuais ilícitos", por isso "vai continuar colaborando com as investigações".
*G1