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Sábado, 23 de novembro de 2024

Saúde

O que a estadia prolongada pode fazer com o corpo dos astronautas 'presos' no espaço?

O que a estadia prolongada pode fazer com o corpo dos astronautas 'presos' no espaço?

(Imagem: Reprodução/TV Globo)

Quando os astronautas Barry Wilmore e Sunita Williams embarcaram rumo à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), em junho, eles esperavam passar oito dias no espaço, e agora enfrentam a possibilidade de aguardar oito meses para retornar à Terra. Mas essa estadia prolongada pode trazer riscos à saúde física e mental dos profissionais da Nasa?

Os seres humanos não evoluíram para viver no espaço, em gravidade próxima a zero. Portanto, aqueles que viajam para lá precisam de treinamento altamente especializado e monitoramento cuidadoso da saúde antes, durante e depois da viagem espacial.

Os astronautas selecionados para voos espaciais tripulados são considerados capazes não apenas de realizar as missões designadas, mas também de lidar com situações de estresse. É o caso de Wilmore e Williams, que voaram como pilotos de teste para o primeiro voo tripulado da Starliner, da Boeing, para a ISS. Eles estão presos no espaço devido a problemas técnicos com a cápsula.

Enquanto a Nasa e a Boeing decidem se a dupla volta à Terra na própria Starliner ou se esperam até fevereiro de 2025 para pegar carona com uma tripulação da SpaceX, os astronautas são forçados a enfrentar os efeitos da exposição prolongada à radiação e à microgravidade.

"Acho que é um fardo, mas eles podem lidar com isso”, disse o astronauta alemão aposentado Thomas Reiter.
 

Reiter serviu em duas missões no espaço, primeiro na Mir, uma estação espacial da era soviética que foi desorbitada em 2001, e depois como engenheiro de voo na ISS. Sunita Williams o substituiu durante seu primeiro voo espacial.

"Ambos não são inexperientes, estão familiarizados com as operações a bordo. No entanto, sua última viagem à ISS foi há muitos anos e, desta vez, eles [estavam] focados em um voo de teste, uma tarefa muito específica, [com] uma duração de apenas alguns dias”, disse Reiter.

"Descobrir que isso foi estendido, com alguma incerteza, para semanas ou meses e provavelmente até oito meses é algo com que tenho certeza de que eles estão tendo que lidar”, disse Reiter.
 

Os impactos das viagens espaciais sobre a saúde

 

Wilmore e Williams concluíram várias missões para a Nasa e acumularam 178 e 322 dias no espaço, respectivamente. Como acontece com todos os astronautas, isso já os expôs à microgravidade e à radiação espacial.

As agências espaciais dedicam departamentos inteiros para estudar os efeitos do espaço no corpo humano - o Centro Aeroespacial Alemão (DLR), por exemplo, administra seu laboratório, o Envihab, perto da cidade de Colônia.

Em junho de 2024, a revista Nature publicou mais de 40 estudos descritos como o "maior compêndio de dados para medicina aeroespacial e biologia espacial”.

Um destes estudos, batizado de TWINS, envolveu 10 laboratórios na missão de comparar o astronauta americano Scott Kelly, que passou um ano na ISS, e seu gêmeo idêntico e astronauta, Mark, que ficou na Terra. E é esse estudo que aponta para um dos principais riscos de um período prolongado no espaço - a radiação.

"A exposição à radiação espacial será o grande fator limitante do desempenho dos astronautas ou do tempo que eles poderão ficar no espaço”, disse Susan Bailey, bióloga de radiação da Universidade Estadual do Colorado. Bailey liderou a pesquisa TWINS sobre o efeito da radiação nos telômeros, minúsculas capas genéticas na extremidade dos cromossomos humanos.

"A exposição à radiação é realmente muito prejudicial ao nosso DNA”, disse Bailey.
 

Essa exposição aumenta o risco de câncer para os astronautas. Ela também aumenta o estresse oxidativo no corpo.

"É disso que se trata: Poupá-los desses efeitos tardios realmente perigosos e de alguns efeitos muito agudos”, disse Bailey. "Temos que criar contramedidas, alguma forma de proteger os astronautas não apenas durante o voo espacial, mas também se eles forem acampar na Lua ou até mesmo em Marte.”

As agências espaciais têm limites específicos para a quantidade de radiação à qual os astronautas podem ser expostos ao longo de suas carreiras.

A tensão da microgravidade: De pedras nos rins a visão ruim

 

A microgravidade no espaço é outro problema, que pode causar desmineralização óssea - os astronautas perdem cerca de 1% a 1,5% de densidade óssea para cada mês passado no espaço.

Isso também pode levar a alterações nos níveis de minerais no corpo e resultar em riscos à saúde. Por exemplo, o aumento dos níveis de cálcio no sistema excretor do corpo, que remove resíduos como a urina, pode causar cálculos renais.

"Quando eles voltarem, não poderão ir para a pista de dança, como qualquer outra pessoa que tenha estado por muitos meses na ausência de peso”, disse Reiter.
 

Esse ambiente também pode causar alterações na visão, pois os fluidos do corpo se deslocam para a cabeça e exercem pressão sobre os olhos. A pressão prolongada pode levar à Síndrome Neuro-ocular Associada ao Voo Espacial (Sans), que pode alterar a capacidade de foco, às vezes de forma permanente.

Ao retornarem à Terra, Williams e Wilmore serão submetidos a um monitoramento regular da saúde.

Eles não ficarão sem comida e água

 

Apesar dos riscos à saúde associados à viagem ao espaço, as necessidades mais imediatas são bem atendidas pela ISS. "Se, de repente, houver mais duas pessoas, elas não ficarão sem água, oxigênio ou comida imediatamente”, disse Reiter, já que missões de reabastecimento de alimentos, água, oxigênio e filtragem de carbono são enviadas regularmente à estação. A ISS também conta com seis dormitórios, dois banheiros e um ginásio.

Além disso, o atendimento psicológico é auxiliado pela integração dos astronautas no trabalho contínuo da estação. Wilmore e Williams passaram os últimos dois meses envolvidos em trabalhos científicos e de apoio com os outros sete astronautas na ISS.

"Em termos de saúde, prevejo que será muito semelhante ao que vimos com alguns de nossos astronautas de seis meses e com os que de fato estão lá há um ano ou até um pouco mais”, disse Bailey.
*Deutsche Welle