Quinta-Feira, 28 de novembro de 2024
Quinta-Feira, 28 de novembro de 2024
O Congresso Nacional aprovou na última terça-feira (7) a lei orgânica nacional das PMs e dos Corpos de Bombeiros. O texto atualiza a legislação nacional sobre o tema – a atual é de 1969, editada durante a ditadura militar. Agora, o presidente Lula (PT) analisará se sanciona ou veta (total ou parcialmente) o texto.
A nova lei possui pelo menos três pontos polêmicos que podem ser alvo de veto, segundo o próprio relator, o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (PT-ES). São eles:
Leia, abaixo, como foi a tramitação e, a seguir, saiba mais sobre os pontos polêmicos da lei.
O texto foi apresentado pela primeira em 2001, pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas por anos não avançou no Congresso.
No final de 2022, foi aprovado na Câmara dos Deputados, tendo como relator Capitão Augusto (PL-SP), integrante da Bancada da Bala. Na ocasião, deputados retiraram o ponto mais polêmico do texto, que previa que as PMs poderiam tomar decisões sem aval dos governadores.
Na terça (7), foi aprovado pelo Senado em votação simbólica, sem registro nominal dos votos dos senadores, com votos da base do governo e da oposição.
Especialistas consultados pelo g1 dizem que o texto deveria ter tido um debate amplo com a sociedade sobre o projeto, dada a importância do tema.
"O que nós temos no país é PMs e Corpos de Bombeiros vinculados ao AI-5", afirmou ao g1 o senador Fabiano Contarato (PT-ES), em referência ao Ato Institucional Nº 5, o mais autoritário da Ditadura Militar, que está expresso no Decreto-Lei 667, de 1969, que reorganizou as polícias militares e os corpos de bombeiros e era, até agora, a principal legislação federal sobre o assunto.
Contarato disse, ainda, que o projeto foi "amplamente debatido" pela sociedade e aprovado na Câmara dos Deputados "por unanimidade", incluindo apoio dos partidos progressistas. "[O projeto] Veio para o Senado com uma limitação de que não haveria alteração de mérito, porque se não voltaria para a Câmara dos Deputados", disse Contarato.
A lei aprovada que as corporações podem criar "ouvidoria subordinada diretamente ao comandante-geral". Hoje, no geral, as ouvidorias são vinculadas às Secretarias de Segurança Pública ou funcionam de maneira independente. Com a mudança, novas ouvidorias criadas pelas PMs passam a respondem ao chefe da corporação que elas fiscalizam.
Para especialistas, uma ouvidoria militar pode ser um problema não só para a transparência e para a prestação de contas, mas também para os próprios policiais que queiram denunciar abusos sofridos internamente na corporação.
A visão é compartilhada por Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Segundo o relator do texto no Senado, Fabiano Contarato (PT-ES), a lei não impede que as secretarias de segurança pública ou que os governos estaduais continuem tendo suas próprias ouvidorias, ainda que veja o trecho como um ponto sensível que pode ser vetado pelo presidente Lula.
O artigo 19 da lei proíbe que militares em atividade manifestem, publicamente ou pelas redes sociais, opiniões "político-partidárias" usando "farda, patente, graduação ou símbolo da instituição militar". Veda, também, uso de imagens que mostrem "fardamentos, armamentos, viaturas, insígnias ou qualquer outro recurso que identifique o vínculo profissional com a instituição militar".
Para Contarato, esses pontos são contrários à Constituição, que garante a livre manifestação de pensamento, e também podem ser vetados.
Já o artigo 20 afirma que militares (bombeiros ou policiais) não podem comparecer "fardados" a eventos "político-partidários", dando a entender que PMs em atividade poderão frequentar esse tipo de manifestação ou se manifestarem em redes sociais, desde que não estejam fardados ou usem símbolos das corporações.
A lei regulamenta o envolvimento das PMs em ações ostensivas "com vistas à proteção ambiental", possibilitando, por exemplo, que os policiais lavrem "autos de infração ambiental" (algo já permitido para as polícias militares ambientais).
O texto, entretanto, autoriza também que as PMs exerçam "por meio de delegação ou de convênio, outras atribuições na prevenção e na repressão a atividades lesivas ao meio ambiente".
Essa redação ampla abre margem para que os policiais atuem em outras frentes na área ambiental.
Contarato, relator do texto, lembra que hoje órgãos de fiscalização ambiental sofrem com falta de pessoal e que há cerca de 300 servidores para fiscalizar todo o país. "Só a polícia militar ambiental tem mais de 8 mil servidores", diz ele. "Mas isso também pode ser objeto de veto, é um ponto sensível", afirma o senador.
A nova lei, caso sancionada, autoriza que PMs que estejam há mais de 10 anos em serviço façam campanha eleitoral para cargos políticos de farda. Pela regra, o policial só passará à reserva remunerada se for eleito. Se o militar tiver menos de 10 anos de serviço, será afastado da ativa no dia seguinte ao registro da candidatura.
Gabriel Sampaio, diretor da ONG Conectas, considera que o projeto perdeu a oportunidade de acabar com o que chama de "porta giratória" entre a corporação e a política partidária.
A lei estabelece que "fica assegurado, no mínimo, o preenchimento do percentual de 20% das vagas nos concursos públicos por candidatas do sexo feminino, na forma da lei do ente federado, observado que, na área de saúde, as candidatas, além do percentual mínimo, concorrem à totalidade das vagas".
Para Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, a redação do texto dá margem para que concursos sejam abertos com apenas 20% das vagas para mulheres, transformando o que seria um piso em um teto.
O senador Fabiano Contarato afirma que o que se buscou com a lei não foi o estabelecimento de teto, mas sim de um mínimo de participação feminina, e que foi uma reivindicação da bancada feminina.
A nova lei aprovada no Congresso determina que os comandantes das Polícias Militares responderão diretamente aos governadores dos estados, o que desobrigaria, na visão de especialistas, os estados a terem Secretarias de Segurança Pública que englobem a PM e a Polícia Civil.
Para Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, a mudança vai além do que existe na prática. Já há estados que não possuem secretarias, como o Rio de Janeiro, mas a nova lei amplia essa possibilidade.
Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, avalia como um retrocesso.
Contarato afirma que é uma prerrogativa dos governadores estabelecer, ou não, uma secretária de segurança pública, e que o texto não muda o regime que já existe hoje.
O artigo 10 da lei orgânica prevê que as polícias militares possam "produzir, difundir, planejar, orientar, coordenar, supervisionar e executar ações de inteligência e contrainteligência". O texto não detalha quais critérios para tais ações ou se haveria necessidade de autorização judicial para execução de tais planejamentos e execuções para "neutralizar ilícitos e ameaças de qualquer natureza que possam afetar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio", como diz a lei.
Para Gabriel Sampaio, da Conectas, essa redação pode causas problemas na prática.
No entanto, delegados da Polícia Civil e da Polícia Federal ouvidos pelo g1 avaliam o trecho como um avanço, capaz de colocar "cada um no seu quadrado" ao delimitar o que a Polícia Militar pode fazer.
O entendimento é o mesmo da presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol), Tânia Prado. "A contr inteligência em geral tem a ver com as condutas dos próprios servidores (monitorar se há infiltrados do crime nas corporações, por exemplo). Essa norma nova não alarga as atribuições da PM nem ameaça as da Polícia Civil", analisa.
A nova lei cria a exigência de que os PMs que assumirem funções de comando (como chefia, direção, administração superior, entre outros) tenham bacharelado em Direito. Neste trecho há duas análises: de que é uma vantagem de ter profissionais com o conhecimento da lei em posições de destaque, e de que é um problema, pois os policiais poderiam buscar atribuições que seriam da polícia civil.
O tenente-coronel Adilson Paes de Souza avalia a previsão de forma positiva:
Já Rafael Alcadipani, professor da FGV, vê como um possível problema.
Um ponto positivo avaliado pelo tenente-coronel da reserva Adilson Paes de Souza e por Carolina Ricardo, diretora-executiva do Sou da Paz, é a previsão de que o comandante-geral assegure a divulgação pública de um relatório anual sobre:
"Não são todos os dados que nós gostaríamos [que fossem disponibilizados], mas ter essa obrigatoriedade para todas as PMs de apresentar um relatório dessa natureza é positivo", afirma Ricardo.
*G1