Quinta-Feira, 18 de dezembro de 2025
Quinta-Feira, 18 de dezembro de 2025
Segundo relator, operação da PRF no 2º turno teve custo equivalente às ações de Carnaval
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) começou a leitura do voto no caso dos seis réus do chamado Núcleo 2 da trama golpista na manhã desta terça-feira (16). Na análise, Moraes ressaltou que os bloqueios nas principais rodovias federais após os resultados das eleições de 2022 ocorreram de forma “estratégica” em relação à trama golpista e que a PRF (Polícia Rodoviária Federal) “cruzou os braços diante das paralisações”.
Entre os destaques, Moraes também citou que operação da PRF no 2º turno teve custo equivalente às ações de Carnaval e que o planejamento para manter Bolsonaro no poder começou em 2020. Também revelou que um dos réus, apontado como ‘radical’ pelo ex-ajudante de ordens e delator Mauro Cid queria antecipar golpe para antes das eleições (veja detalhes abaixo).
O grupo seria responsável pela elaboração da chamada “minuta do golpe”, pelo monitoramento de autoridades e por ações de “neutralização” violenta de autoridades públicas.
Preliminares rejeitadas
No início da fala, o ministro rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas. Em seguida, ressaltou que a materialidade dos delitos já foi comprovada, com base no julgamento dos outros núcleos.
“Então, o que iremos avaliar é a participação ou não, ou seja, a eventual coautoria de cada um dos réus apontados no núcleo 2”, afirmou.
Além disso, Moraes lembrou que, segundo a norma de extensão, não é necessário que os réus participem de todas as condutas para serem enquadrados como integrantes de uma organização criminosa.
“Uma vez comprovado que a pessoa faz parte da organização criminosa e participou de determinadas condutas visando à consecução do resultado, não é necessário que todos participem de tudo”, explicou.
Pré e pós-eleição
Na sequência, o ministro detalhou que foram identificados 13 momentos distintos, desde meados de 2020.
O primeiro deles, que não envolve este núcleo, refere-se ao caso da chamada “Abin paralela”, com o monitoramento ilegal de agentes públicos e o uso da estrutura do Estado para o início da concepção de atentados contra o Estado Democrático de Direito.
Segundo Moraes, as ações tiveram como foco principal a difusão de desinformação contra a Justiça Eleitoral e o questionamento da legitimidade das urnas eletrônicas.
“E, nesses 13 tópicos, alguns deles com subtópicos, fica demonstrado que a organização criminosa planejava, desde meados de 2020, a sua manutenção no poder, seja por meio do descrédito da legitimidade das eleições, seja pela tentativa de retorno ao poder por meio de um golpe de Estado”, concluiu.
O general ‘mais radical’ e a defesa ao golpe
O réu Mário Fernandes é denominado um dos mais radicais, na avaliação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator do processo.
Para Moraes, não há qualquer dúvida de que o réu defendia um golpe de Estado e, pelas avaliações, pretendia que a ruptura ocorresse antes das eleições, sob o argumento de que, após o pleito, a alegação de fraude pelo TSE poderia gerar mais “ruído”.
Diferentemente de outros réus, que buscavam desacreditar, pressionar ou coagir a Justiça Eleitoral para tentar vencer nas urnas — e, apenas em caso de derrota, decretar um golpe de Estado —, Fernandes defendia a supressão dessa etapa.
Em outras palavras, conforme destacou Moraes, a lógica era: “para que eleições, se o golpe seria dado de qualquer forma?”.
A constatação do ministro-relator tem como base falas feitas durante reunião ministerial, em julho de 2020, com o então presidente Jair Bolsonaro e “alguém que não ocupava cargo público” naquele momento, mas era candidato a vice-presidente na chapa, Walter Braga Netto. Fernandes durante o evento comprovam sua adesão à organização criminosa, com a clara intenção de perpetuar o grupo no poder.
Durante a reunião, Mário Fernandes reiterou alegações falsas sobre supostas vulnerabilidades das urnas eletrônicas e questionou a legitimidade da Justiça Eleitoral. Ele também proferiu agressões, ameaças e calúnias contra membros do Poder Judiciário.
Utilização da PRF
No voto, Moraes contextualizou a utilização da PRF na tentativa de manipular as eleições. No dia 28 de outubro, chegaram diversas denúncias de que estaria sendo planejada uma operação para o segundo turno das eleições, com base em boletins produzidos pela Polícia Federal, especialmente no Nordeste, região onde o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva havia obtido, no primeiro turno, votação muito superior à de Jair Bolsonaro.
A determinação era para que a operação ocorresse no dia 30. “Isso é importante porque é impossível alegar ausência de conhecimento da ilicitude do fato quando já havia uma decisão do TSE vedando esse tipo de operação”, destacou Moraes.
Segundo o ministro, a ação foi precedida pelo uso da máquina pública, especialmente do Ministério da Justiça, para a elaboração de boletins de inteligência, além de ter contado com aporte financeiro específico para sua execução.
De acordo com as informações apresentadas, o volume de recursos destinados à operação foi equivalente ao empregado durante o período do Carnaval. Moraes ressaltou que, enquanto as eleições ocorrem em apenas um dia, as operações de Carnaval se estendem da sexta-feira até a quarta-feira de Cinzas.
“Havia toda a indicação de que qualquer operação que fosse realizada para obstaculizar o acesso do eleitor às urnas, de qualquer eleitor, já que todos têm o direito de chegar às urnas para votar, seria considerada um crime contra a democracia.”
Operação nas eleições e a atuação do então diretor
No processo, o réu Silvinei Vasques afirmou que a operação não tinha como objetivo obstruir o acesso dos eleitores às urnas. No entanto, Moraes destacou que a ação ocorreu nos mesmos locais, com o mesmo efetivo e os mesmos recursos financeiros, além de ter sido baseada em boletins de inteligência.
“Essa operação seria apenas para verificar os elementos essenciais para o deslocamento, conforme o Código de Trânsito Brasileiro, ou seja, os ônibus eram parados e as pessoas revistadas. Tentou-se dar um by-pass na decisão do TSE”, afirmou.
Segundo Moraes, a alegação de que a operação não impactou as eleições não se sustenta. “Não impactou pela atividade rápida do TSE, porque houve ameaça de voz de prisão ao então diretor da PRF”, destacou.
Para o ministro, o episódio comprova, com base nos boletins de inteligência produzidos pela Polícia Federal, a utilização da máquina estatal por uma organização criminosa, com o envolvimento de outro órgão ligado ao Ministério da Justiça, como elemento essencial para a tentativa de manutenção desse grupo político no poder.
O papel da ex-diretora de Inteligência da Justiça
Segundo Moraes, são abundantes as provas contra a réu Marília de Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça. Ela foi a responsável por solicitar a elaboração dos boletins de inteligência com base no resultado das eleições.
“Não se tratava de acidentes, criminalidade organizada ou compra de votos, mas do resultado das eleições, com a finalidade de coletar dados sobre locais de votação onde o candidato Luiz Inácio Lula da Silva havia obtido índices expressivos”, afirmou o ministro.
Há diversos diálogos entre Marília de Alencar e Fernando de Sousa Oliveira, também réu e delegado da Polícia Federal, que demonstram, de forma clara, que ela estava “bastante empolgada”, segundo Oliveira, com a demanda pela produção dos boletins de inteligência.
O ministro também destacou que a solicitação para “analisar o cenário” começou inicialmente com pesquisas eleitorais e, depois, passou a se basear no resultado das urnas no primeiro turno.
“A organização, provavelmente — e isso não foi captado a tempo —, pretendia influenciar o resultado da eleição já no primeiro turno”, afirmou Moraes, ao citar o histórico de mensagens trocadas antes do início do pleito.
Além disso, Moraes ressaltou que Marília afirmou, em uma das mensagens, que o grupo “teria que pensar em uma ofensiva em relação a essas pesquisas”.
“Qual o papel de uma delegada federal, servidora da área de inteligência do Ministério da Justiça, em direcionar seu trabalho para pensar em uma ofensiva contra pesquisas de opinião pública?”, questionou o ministro.
‘Em Off’
Tais mensagens eram trocadas em um grupo nomeado “Em Off”. Ao comentar o nome, o ministro ironizou, afirmando que se tratava de “outra criação literária” da organização criminosa.
“Diz-se, historicamente, que só existe segredo entre duas pessoas se ambas tiverem algo a perder com a divulgação do segredo. Imagine, então, um grupo de WhatsApp ‘em off’.”
Para Moraes, as conversas demonstram claramente que não se tratava de um trabalho de combate ao crime organizado, ao transporte ilícito de eleitores ou à compra de votos. Por isso, segundo ele, a tese da defesa de que Marília estaria apenas obedecendo ordens não se sustenta.
Bloqueios nas rodovias e ‘braços cruzados’ da PRF
Após a vitória de Lula nas eleições, o grupo, segundo as apurações, também passou a convocar uma paralisação geral do país, com a adesão de parte dos caminhoneiros que apoiavam Jair Bolsonaro.
Os bloqueios ocorreram principalmente em rodovias federais, de forma “estratégica” em colaboração a uma trama golpista. “A PRF, sob a direção de Vasques, simplesmente cruzou os braços diante das paralisações em inúmeras estradas, o que gerou prejuízos ao transporte de alimentos e medicamentos, além de obstáculos ao acesso a aeroportos”, disse Moraes.
O relator lembrou que, ao constatar uma total inércia considerada criminosa por parte da PRF, determinou, à época, que as polícias militares dos estados realizassem a desobstrução das rodovias.
Ele ressaltou ainda que o pedido do então presidente Jair Bolsonaro para o encerramento da greve só ocorreu depois que as polícias militares estaduais já haviam desobstruído as vias. “Assim é fácil determinar o fim de algo que já havia sido declarado pelo Supremo como ilegal e inconstitucional, além de já estar resolvido”, afirmou Moraes.
Núcleo 2
Os réus também são acusados de coordenar operações da PRF (Polícia Rodoviária Federal) para dificultar o deslocamento de eleitores no Nordeste durante as eleições de 2022.
O núcleo é formado por seis réus acusados de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Entenda
Além de defender a condenação de todos os réus, a PGR pediu que seja fixada uma multa para reparação dos danos causados pelos crimes denunciados.
Os réus deste núcleo teriam sido responsáveis pela elaboração da “minuta do golpe”, pelo monitoramento e pela proposta de assassinato de autoridades, além de articulação dentro da PRF (Polícia Rodoviária Federal) para dificultar o voto de eleitores da região Nordeste durante as eleições de 2022.
Segundo o procurador-geral da República, Paulo Gonet, as ações praticadas pelo grupo estão documentadas em conversas por aplicativos de mensagens, além de registros em arquivos eletrônicos.
De acordo com a acusação, o núcleo 2 monitorou autoridades da República e elaborou o chamado “Punhal Verde e Amarelo”, plano para matar o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
Na primeira semana de votação, a PGR (Procuradoria-Geral da República) e as defesas puderam apresentar suas alegações.
PGR
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que outros processos analisados pelo colegiado demonstraram a existência dos crimes e a sequência de ações estruturadas.
Para ele, os réus desta etapa administraram iniciativas centrais da organização criminosa.
“É evidente a contribuição decisiva que proporcionaram para a caracterização dos crimes denunciados, valendo-se de suas posições profissionais relevantes e de conhecimentos estratégicos”, disse.
Gonet também destacou mensagens extraídas de celulares dos investigados. Elas indicariam relação direta entre operações no segundo turno e regiões com maior quantidade de votos contrários ao então presidente Jair Bolsonaro.
Segundo o procurador, “a análise das comunicações confirma o esforço incessante, coordenado e crescente de manipular o processo eleitoral, não apenas por meio de narrativas infundadas de fraude, mas também pelo uso da força policial para dificultar o acesso, em tempo adequado, às urnas por eleitores identificados como partidários do adversário político temido.”
Quem são os réus
Defesas
Os advogados dos réus da trama golpista acusados de elaborar a chamada “minuta do golpe” e montar um plano de monitoramento e assassinato de autoridades alegaram falta de provas e defenderam a inocência dos seus clientes.
As defesas apostaram em descredibilizar a delação do tenente-coronel Mauro Cid e tentaram responsabilizar outros réus para enfraquecer as acusações.
*R7/Brasília