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Sexta-Feira, 03 de maio de 2024

Meio ambiente

Desmatamento, garimpo e mais: veja os desafios de Lula no meio ambiente

Desmatamento, garimpo e mais: veja os desafios de Lula no meio ambiente

(Imagem: Greenpeace/Divulgação)

Alta no desmatamento por três anos consecutivos, recorde de queimadas no Pantanal, aumento na emissão de gases de efeito estufa, mais devastação ligada à grilagem de terras, crescimento das invasões de terras indígenas por garimpeiros e madeireiros, paralisação do Fundo Amazônia, aumento na liberação de agrotóxicos e diminuição da fiscalização de crimes ambientais.

Essas são algumas das heranças negativas deixadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro quando o assunto é o meio ambiente e que, segundo a análise de especialistas, serão desafios para o próximo governo federal antes mesmo da posse em 1º de janeiro de 2023.

Na avaliação de entidades e especialistas, os principais desafios que o governo Lula terá pela frente são:

  • Conter o desmatamento e as queimadas
  • Rever programas de gestão das Unidades de Conservação
  • Eliminar a grilagem de terras públicas
  • Atuar nas terras indígenas, garantindo a demarcação dos territórios
  • Reativar o Fundo Amazônia e o PPCDAm/PPCerrado
  • Reestruturar os órgãos ambientais, com um quantitativo adequado e recursos necessários
  • Conter o aumento nos gases de efeito estufa e regular o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões
  • Rever os atos de comando e controle e de conversão de multas ambientais
 

Parte desses desafios consta em um relatório divulgado pelos especialistas do projeto Política por Inteiro, que monitora atos normativos relacionados ao meio ambiente. Entre outros pontos, o grupo listou 401 decretos ou medidas editadas por Bolsonaro que precisam ser revistas para garantir a preservação ambiental.

"Precisamos retomar o que foi perdido e ter perspectiva do que pode ser grande, podemos ser uma potência ambiental. Nós acreditamos que o Brasil entre as grandes economias é o único que pode se tornar carbono negativo até 2045", afirma Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, que não teve relação com o estudo.

"Temos esperança e base técnica para falar isso e que podemos ir além do que éramos".

Mas antes de explicar todos esses desafios, é preciso relembrar que a destruição da política ambiental começou de dentro — uma implosão, segundo os especialistas. Bolsonaro disse que ia acabar com o Ministério do Meio Ambiente, mas voltou atrás. Entretanto, pela primeira vez, o ministério passou a ser apontado como a "principal fonte de ameaças ao meio ambiente".

“O projeto do governo foi o desmantelamento completo da agenda ambiental. E isso começou por dentro do Ministério do Meio Ambiente, o que foi mais efetivo e mais doloroso. Envolve diminuição de recursos, nomeação de pessoas nas diretorias para atender a diretriz do governo, que vê a política ambiental como uma coisa que atrapalha. Essa é a visão do presidente da República - implodir a política ambiental e climática”, comenta Araújo.

Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, que conta com 77 organizações integrantes, ressalta que o governo terminou com núcleos de inteligência para descobrir mandantes de desmatamento, criando uma série de furos de gerência dos órgãos, provocando um engessamento.

“Foram várias portarias ao longo do governo que tornaram a vida do fiscal mais difícil. Como eles não conseguiram acabar com órgãos como Ibama e Polícia Federal, eles engessaram o trabalho. Foram impedindo que fiscais fossem para a rua aplicar multas, por exemplo”, diz Astrini.

Desmatamento e queimadas

 

Abaixo, veja algumas sugestões do relatório e de ambientalistas para a área no próximo governo:

  • Apresentar um plano efetivo com participação do governo federal, prefeituras, sociedade civil e indígenas;
  • Rever programas de gestão das Unidades de Conservação;
  • Aperfeiçoar o licenciamento ambiental;
  • Eliminar a grilagem de terras públicas e consolidar informações fundiárias;
  • Acelerar a regularização ambiental das propriedades privadas.
 

No relatório do Política por Inteiro, intitulado "Reconstrução", mais de 401 atos normativos que impactam a área ambiental foram listados.

No caso do desmatamento e das queimadas, o documento destaca que a atual gestão do governo federal registrou recordes sucessivos na Amazônia Legal, evidenciando "a ausência de efetivas políticas públicas de comando e controle de combate aos crimes ambientais".

Astrini destaca que, como a sociedade civil está mobilizada nessa pauta, o desafio para o próximo governo será mais em apresentar um plano que conte com participação social e que mostre resultados concretos, pois, na sua avaliação, dificilmente as altas taxas de desmate irão diminuir tão rapidamente.

"Nunca um presidente da República teve um ambiente tão favorável para combater o desmatamento. A comunidade internacional está sensibilizada, se o governo mostrar um bom plano vai chover dinheiro para o Brasil", avalia o pesquisador.

"Ele tem um poder de alavancagem dentro e fora do país, até em setores do agro. Ele tem esse apoio, mas tem a dificuldade do crime ambiental que se enraizou e sequestrou parte da economia do país".

"Mas os números [do próximo governo] vão sair com 5 meses de herança de Bolsonaro", diz.
 

Em 2021, o desmatamento na Amazônia atingiu 13.235 km², um aumento de 22% em relação a 2020, segundo o Prodes (sistema do Inpe que fornece a taxa anual — de agosto a julho — de devastação do bioma).

Foi o maior desmatamento na floresta em 15 anos, desde 2006. O governo também bateu outro recorde: desde 1988, foi a primeira vez em que a taxa subiu três vezes consecutivas em um mesmo mandato presencial.

O relatório de 2022 do Prodes ainda não foi divulgado, mas os números ao longo do ano apontam para mais um recorde de destruição da Amazônia.

"O grosso do desmatamento na Amazônia tem ocorrido em florestas públicas não destinadas e glebas devolutas [terras públicas também sem destinação]", avalia Ane Alencar, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.

"E isso é a prova concreta de que da ilegalidade do desmatamento e da expansão da grilagem de terras na região [quando uma área é apossada ilegalmente], que é uma coisa absurda. Basta você sobrevoar o sul do Amazonas que você vai ver grandes áreas de terras 2 mil, 3 mil hectares desmatados de uma só vez".

Outro sistema do Inpe, o Deter, que captura o desmatamento em tempo real, já apontou alertas de desmatamento para mais de 9,2 mil km² de floresta até 21 de outubro — a pior marca da série histórica.

"O Brasil já teve taxas anuais maiores [antes da série atual], mas quando começaram as medidas mais efetivas nunca ocorreu um descontrole como vem ocorrendo desde 2019", explica Suely Araújo.

Os alertas de queimadas na Amazônia foram pelo mesmo caminho nesses quatro anos de governo. Em setembro deste ano, mesmo sem fechar o mês, superamos o total registrado em todo 2021. As queimadas são consequência do aumento do desmatamento na Amazônia.

Também no governo Bolsonaro e em 2022, a Amazônia teve o pior dia de queimadas em 15 anos, com 3,3 mil focos. Antes, dia mais recente no 'ranking' de queimadas foi 30 de setembro de 2007.

O Cerrado também queimou. Entre janeiro e setembro de 2022, somou 5.408.154 hectares desmatados. O segundo maior bioma do Brasil é fundamental para evitar racionamento de água e energia (entenda aqui).

Terras indígenas

 

Alguns pontos de sugestão do relatório e de ambientalistas para a área no próximo governo:

  • Indígenas precisam de garantias e de assistência básica para sua sobrevivência;
  • Demarcação de terras precisa ser retomada;
  • Funai deve voltar a ser guiada por diretrizes de excelência técnica.
 

Segundo a análise do relatório Reconstrução, o tema Indígena representou 4% do total de atos publicados nos últimos quatro anos.

"A ausência de atos de Regulação e Planejamento do Governo Federal no tema reflete a lacuna de políticas públicas indigenistas, que somada às Reformas Institucionais promovidas na Funai e a não demarcação de sequer um centímetro de Terras Indígenas, legitimaram as mais variadas formas de ataques aos povos indígenas e seus territórios", diz o texto do documento.

Astrini destaca que os indígenas foram os que mais sofreram no governo Bolsonaro. A invasão de terras triplicou nesses quatro anos. "É um capítulo cruel dedicado especialmente aos indígenas. Eles [o governo] atacaram os direitos indígenas de uma forma sem descanso".

"Eles foram castigados por proteger demais a floresta", diz o secretário-executivo do Observatório do Clima. 

Segundo dados do MapBiomas, a devastação de terras indígenas cresceu 41 vezes entre 2016 e 2021. O estudo apontou um forte crescimento nos últimos anos de alertas de desmatamento em territórios indígenas — principalmente aqueles provocados pela mineração.

Desmatamento por mineração em terras indígenas (2016-2021)
(área/ha)
58,4358,43910,18910,181.451,541.451,542.975,312.975,312.016,512.016,512.409,342.409,342016201720182019202020210500100015002000250030003500
Fonte: Deter/Inpe e MapBiomas

A violência contra indígenas também aumentou. Um relatório apresentado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apontou que 2021 teve o maior número de casos em nove anos. Foram 335 registros, entre assassinatos, abuso de poder, racismo e outros. Em 2020, foram 304 ocorrências.

"A narrativa governamental impulsiona a invasão de terras indígenas, de unidades de conservação. Quando o presidente vai na TV, vai numa live, e fala que o Ibama é uma indústria de multas, é como se fosse uma apologia ao crime. Hoje a Amazônia tem áreas dominadas pelo crime. Grande parte da Amazônia tem ausência do Estado", explica a ex-presidente do Ibama.

Aliado a tudo isso, nos últimos quatro anos a administração da Funai vem recebendo críticas por causa da sua atual estratégia de combate a crimes nas áreas indígenas. Em agosto uma comissão do Senado que foi inclusive instalada para acompanhar as investigações sobre os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, na Amazônia, pediu o afastamento do chefe do órgão.

Fundo Amazônia, PPCDAm e PPCerrado

 

Alguns pontos de sugestão do relatório e de ambientalistas para a área no próximo governo:

  • Reativar fundos e planos;
  • Alocar recursos estrategicamente.
 

O PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia) foi responsável pela queda de 83% do desmatamento de 2004 a 2012. Ele foi abandonado em 2019.

O plano foi desenhado em três eixos principais: ordenamento fundiário e territorial; monitoramento e controle ambiental; fomento às atividades produtivas sustentáveis. Após a implementação do PPCDam, o desmatamento da Amazônia passou de uma taxa de 27 mil km² em 2004 para 4,5 mil km², em 2012, — a mais baixa já contabilizada até hoje.

Um projeto parecido, o plano de prevenção e controle do desmatamento no Cerrado (PPCerrado) também foi abandonado em 2019, no primeiro ano da gestão do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.

Já o Fundo Amazônia, que capta doações para projetos de preservação e fiscalização do bioma, está parado desde abril de 2019, quando o governo Bolsonaro extinguiu os colegiados Comitê Orientador (COFA) e o Comitê Técnico (CTFA), que formavam a base do Fundo. O projeto foi criado em 2008 para financiar ações de redução do desmatamento e fiscalização.

"A paralisação do Fundo Amazônia constitui verdadeiro crime contra a política ambiental", afirma Araújo. 

Segundo Astrini, são quase R$ 3,5 bilhões paralisados pelo governo. "Com esse dinheiro dá para fazer operação de campo por dois anos seguidos no Ibama", diz.

"Existe um acordo internacional com a Noruega e Alemanha que diz o seguinte: o dinheiro deve ser utilizado para combater o desmatamento. Existia um conselho, formado por governo federal, estados, organizações ambientais, indígenas. Esse conselho recebia o projeto e dava o OK ou não. O dinheiro era usado em projetos como ensinar o indígena a monitorar o desmatamento nas suas áreas, treinamento de agentes da PF sobre legislação, montar cooperativa de pescadores. Quando o fundo parou, parou tudo", explica Astrini.

Em 2019, Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente à época, tentou mudar as regras do Fundo e anunciou a intenção de destinar os recursos captados para indenizar proprietários de terras. Ele também afirmou haver indícios de irregularidades nos contratos firmados com ONGs, mas não apresentou nenhuma prova que confirmasse a afirmação.

"O Salles queria subverter o acordo internacional. Queria que pudesse mudar as regras do que foi acordado para que ele montasse a distribuição de recursos conforme ele achasse que deveria", explica Márcio Astrini.

Após o resultado das eleições, que deu vitória ao Lula (PT), Noruega e Alemanha sinalizaram que vão retornar o Fundo Amazônia. Segundo o ministro do Meio Ambiente norueguês (principal colaborador), Espen Barth Eide, 5 bilhões de coroas norueguesas (cerca de R$ 2,5 bilhões) aguardam para serem utilizados no fundo de preservação da floresta amazônica.

Emissões de gases de efeito estufa

 

Alguns pontos de sugestão do relatório e de ambientalistas para a área no próximo governo:

  • Conter desmatamento e queimadas, principal motor do país para o aumento nos gases de efeito estufa;
  • Regular o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões.
 

O desmatamento na Amazônia permitiu que outro recorde fosse batido na gestão Bolsonaro: o aumento no nível de emissões de gases de efeito estufa. Dados do relatório do "Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima", o SEEG, apontam que, em 2021, o Brasil teve a maior alta em 19 anos. Essa tendência de aumento também foi vista em 2020.

Durante a apresentação dos dados, Astrini enfatizou que o governo Bolsonaro negou a agenda do clima e "fez tudo o que podia para destruir a governança ambiental do país.

"Está muito claro que nós temos um governo que se revelou uma verdadeira bomba climática, máquina de gerar aquecimento global e jogar carbono para a atmosfera no planeta".
 
Estimativa de Emissões de gases de efeito estufa no Brasil — Foto: SEEG/Observatório do Clima

Estimativa de Emissões de gases de efeito estufa no Brasil — Foto: SEEG/Observatório do Clima

Tasso Azevedo, coordenador do SEEG, explicou que o gráfico acima aponta três padrões. "Entre 1900 e 2003 tivemos um período de aumento das emissões. A partir de 2004 até 2010 temos uma forte redução das emissões no Brasil, puxada pela redução do desmatamento. Desde então, a gente vem num processo de sobe e desce, com tendência de subida até chegar a 2021".

Para rever esses números, outra sugestão de especialistas é de que o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões seja de fato regulamentado.

Entidades ambientais criticam que durante o governo Bolsonaro a prometida criação do Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa na prática não trouxe um mercado brasileiro de carbono, ou seja, um sistema de compensações de emissão de CO ou outros gases de efeito estufa (GEE).

Créditos como esses são criados por empresas que reduzem suas emissões e podem vender ativos que para outras empresas ou países que não cumprem suas metas, mas o atual decreto não traz orientações e normas regulatórias para o estabelecimento de metas não voluntárias.

Fiscalização de infrações ambientais

 

Alguns pontos de sugestão do relatório e de ambientalistas para a área no próximo governo:

  • Fortalecer ações de comando e controle;
  • Revogar normas que alteraram procedimentos de apuração e punição de infrações.
 

O desmonte dos órgãos de controle do desmatamento resultou no nível mais baixo de multas ambientais das últimas duas décadas na Amazônia. Segundo o Observatório do Clima, em 2019 e 2020 foi registrada média anual de 2.610 autos por infrações contra a flora na região, uma queda de 46% em relação à média na década anterior (4.868 autos por ano), apesar do aumento das taxas de desmatamento.

"Qual é a principal arma de um agente do Ibama quando ele vai fazer uma operação? É dar uma multa. Então se você tira esse instrumento de força você tira a punição de quem está fazendo o ílicito ambiental", comenta Alencar.
 

O governo Bolsonaro instituiu um decreto sobre processo de julgamento de autos de infração. Suely explica que o auto de infração é só um primeiro ponto. Depois, a multa é cobrada. No entanto, o governo tomou uma série de medidas que leva a prescrição em massa de processos que estão no Ibama. "Eles criaram uma etapa obrigatória para protelar processos", diz.

28/07/22: Imagem aérea mostra área usada por garimpeiros sendo destruída em operação contra garimpo na Terra Yanomami — Foto: Ibama/Divulgação

28/07/22: Imagem aérea mostra área usada por garimpeiros sendo destruída em operação contra garimpo na Terra Yanomami — Foto: Ibama/Divulgação

Segundo o Tribunal de Contas da União, milhares de crimes ambientais cometidos no Brasil estão prestes a cair na mais absoluta impunidade. Entre eles: incêndios em áreas de conservação ambiental, derramamento de óleo, desmatamento, pesca em área ilegal.

O relatório aponta que, só em 2022, perto de cinco mil ações ambientais podem prescrever. Isso acontece quando vence o prazo do processo estipulado por lei, número que passará para quase 17 mil, em 2023, e para mais de 37 mil, em 2024.

"Isso significa impunidade, significa que os criminosos não vão receber as punições necessárias, um estímulo ao crime. O que eles estão fazendo não tem paralelo com nenhum lugar, nunca aconteceu nada parecido. Isso enfraquece a fiscalização. O infrator sabe disso. Quando ele recebe o auto, para ele tanto faz, porque ele sabe que a tendência é prescrever", finaliza Araújo.

*G1