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Terça-Feira, 26 de novembro de 2024

Política

'Bancada da selfie' busca protagonismo nas redes e causa brigas no Congresso

'Bancada da selfie' busca protagonismo nas redes e causa brigas no Congresso

(Imagem: Pedro França/Agência Senado)

A possibilidade de se conectar de maneira fácil e rápida com o seu eleitorado tem mudado a dinâmica de trabalho de muitos parlamentares no Congresso Nacional.

Com o passar dos anos, deputados e senadores foram se profissionalizando na divulgação de seu conteúdo nas redes sociais.

Hoje, é extremamente comum presenciar muitos parlamentares entrando no plenário com microfones de lapela e celulares de última geração para munir o seu eleitorado com os clássicos vídeos de selfie. Esse comportamento gerou o apelido de “Bancada da Selfie”. Há 10 anos, esse comportamento quase não existia.

Para alguns especialistas, até mesmo a forma como os parlamentares participam de comissões na Câmara tem mudado com a hiperconectividade.

“Os deputados gravam, filmam, editam e colocam nas redes sociais. Alguns deputados não participam de comissões, mas fazem um discurso de 2 minutos, levantam e vão embora. Mas eles gravam para colocar nas redes sociais. Não tem interação e aquele debate da velha política. Isso acabou. Está muito mais um jogo de usar a imagem deles para atingir um suposto eleitorado”, afirma o cientista político Antonio Testa.

Para parlamentares ouvidos pelo g1, a maior participação nas redes é positiva, pois estimula o debate, a troca de ideias e, principalmente, a conexão rápida com os eleitores.

Mas, por outro lado, alguns apontam que a prática também estimula a busca pela “lacração” e, com isso, brigas têm sido cada vez mais frequentes.

O profissional 'sombra'

 

Por trás de publicações da rotina dos parlamentares há uma equipe de profissionais preparados para captar todo conteúdo e pensar em estratégias de alcance nas redes sociais.

Com o aumento da importância de se tornar relevante nas redes para conquistar o eleitorado, uma função passou a ser essencial dentro das assessorias de comunicação dos parlamentares, é o chamado "sombra".

Os "sombras" acompanham os deputados e senadores em todas as agendas e tem como principal função fornecer ao eleitor detalhes e bastidores do dia a dia do parlamentar.

“Você sempre vê [o sombra] e às vezes não sabe quem é, mas tá sempre ali. Mas tanto que muita gente fala ‘você é assessora e tal’. Eu geralmente não entro muito no âmbito dos assuntos dele, porque é aquilo mesmo, é uma sombra que a gente faz. O objetivo é realmente colocar para os seguidores deles e os eleitores o que ele está fazendo”, explica assessora parlamentar que atua como sombra no gabinete do deputado Augusto Coutinho (Repúblicanos-PE), Xocolate Magalhães.

A assessora diz que já trabalhou como sombra de outros parlamentares e que a demanda tem aumentado cada vez mais.

“Eu acho que o eleitor tem a necessidade, no Brasil inteiro, na base deles, de saber o que o parlamento está fazendo aqui em Brasília, e aí desperta uma curiosidade neles e isso fez com que os deputados hoje entendessem a necessidade. [...] E o eleitor é curioso. Não é só aquele negócio de fotinha, aquela foto posada, entendeu? É saber o dia a dia dele dentro da Câmara. E eu procuro fazer isso com o deputado”, afirmou.

Assessores de redes sociais também esclarecem que a maneira como o parlamentar escolhe aparecer nas redes sociais varia muito, alguns preferem se ater ao dia a dia e agendas, já outros gostam de se posicionar sobre assuntos gerais do Congresso, principalmente os mais polêmicos.

No caso da equipe do senador Weverton (PDT-MA), por exemplo, a coordenadora de comunicação Andrea Viana explica que o objetivo central é utilizar as redes sociais como uma forma de prestar contas ao eleitor.

“A gente tem esse foco em fazer uma rede social muito prestadora de contas. Assim, é de posicionamento, mas é muito também dele falar o que ele está fazendo como senador, pelo Estado, votando, com projeto de lei”, disse Andrea em entrevista ao g1.

A assessoria diz ainda que a forma como o conteúdo é divulgado também é pensada de acordo com a rede social onde vai ser publicado, para a produção de conteúdo no Tik Tok, por exemplo, ela explica que houve um cuidado da equipe em escolher um profissional mais jovem para pensar no conteúdo.

“O trainee da nossa equipe é o que faz o TikTok. É o que tem as ideias do que tá acontecendo na rede. Então a gente foi buscar uma pessoa que é bastante jovem, mas que tem uma visão de política bacana”, disse Andrea.

A coordenadora de comunicação destaca ainda que, apesar de existir uma preocupação do gabinete com o formato de divulgação do conteúdo, o principal intuito ainda é se ater ao dia a dia do senador.

“A gente não tem que ficar inventando produto. Não é uma coisa fake. E pra gente que faz comunicação e que tem um pé no jornalismo, pelo menos pra mim, seria muito dramático ter que inventar um produto. Eu não acho legal. Então, pra gente, é muito tranquilo esse trabalho, porque a gente lida com a realidade do mandato dele”, disse a assessora.

Andrea conta ainda que a produção de conteúdo nas redes sociais, atualmente, é o que mais demanda e “concentra a energia” da equipe de comunicação, que é composta por cinco pessoas e também cuida, por exemplo, da relação do parlamentar com a imprensa.

Brigas recentes

 

Nesta Legislatura, iniciada em 2023, a Câmara coleciona episódios de discussões acaloradas entre os parlamentares, preconceito de gênero e até agressões físicas.

Em junho, os deputados André Janones (Avante-MG) e Nikolas Ferreira (PL-MG), ambos com milhões de seguidores nas redes sociais, chegaram a trocar agressões após o Conselho de Ética decidir pelo arquivamento de uma representação que apurava a prática de “rachadinha” no gabinete de Janones.

Janones e Nikolas desafiaram um ao outro a participar de briga fora das dependências da Câmara. Em meio à confusão, a Polícia Legislativa da Casa precisou intervir. André Janones teve que deixar o plenário do colegiado escoltado.

Também no mês passado, Ferreira protagonizou um episódio de transfobia durante audiência na Comissão dos Direitos da Mulher. Após uma discussão entre as deputadas Erika Hilton (PSOL-SP) e Julia Zanatta (PL-SC).

Nikolas entrou no meio da conversa e atacou: “Pelo menos ela é ela”. A transfobia foi equiparada ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019

A busca por tensionamento em troca de likes ficou clara na sequência. Ferreira resolveu divulgar nas suas próprias redes sociais o vídeo em que cometeu o crime. O vídeo teve 12 milhões de visualizações e 37 mil likes.

O parlamentar considera que sua opinião é inviolável.

Ferreira já havia respondido a um processo no Conselho de Ética por uma fala transfóbica no plenário da Câmara em 2023. O deputado disse que as mulheres estão perdendo espaço para homens que se sentem mulheres.

O que dizem especialistas e parlamentares

 

Para o cientista politico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando, os episódios são “deprimentes, mas reveladores de nossa atual política”.

“Redes sociais com transmissão ao vivo, uso de palavrões, busca de agressão física, lacração, entre outros. Aqueles deputados, independente do espectro político, conhecem e sabem usar as redes sociais e, com isso, convertem seguidores engajados em votos. Aí, como foram legitimados pelo eleitor, levam essa conduta para o centro da política parlamentar", disse Rodrigo em entrevista ao g1.
 

A deputada Bia Kicis (PL-DF) utiliza as redes sociais com frequência e acumula milhares de seguidores. Em entrevista ao g1, ela disse que as redes trouxeram uma ampliação do debate.

“Acredito que houve um aumento exponencial dos debates devido às redes sociais. Todo mundo se importa com política, todo mundo tem uma opinião e sabe o que está acontecendo no Congresso”, disse a deputada.

Para ela, os conflitos advêm da forte polarização. “Isso ocorre porque hoje existem vozes dissonantes no Congresso”, afirmou a deputada.

Por outro lado, o deputado Afonso Motta (PDT-RS), defende que, na busca por audiência nas redes sociais, os parlamentares acabam buscando o aumento do “tensionamento”.

“Menos conteúdo, mais empoderamento”, disse o deputado.

“Tem interesse econômico, sim, que esse tensionamento permaneça. A questão é como estabelecer limites. Como a sociedade no futuro vai se colocar frente a essa divisão, que é mais desconstitutiva do que constitutiva”, afirmou Motta.

A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) destacou ao g1 que as redes possibilitam ao eleitorado fiscalizar o que acontece no Congresso.

“A gente consegue se concertar com a nossa base parlamentar. Tem um aumento do debate, e eu vejo isso como positivo, porque o eleitor pode fiscalizar, cobrar, é o exercício pleno da cidadania”, afirmou.

Em relação às brigas, ela diz que os conflitos sempre existiram, mas que “os ânimos estão exaltados”.

“Os conflitos sempre existiram dentro da Câmara, temos que tomar cuidado para não quebrar o decoro parlamentar, não partir para agressões físicas. Isso não tem correlação com as redes sociais. Os ânimos estão exaltados mesmo. Partir para ataques pessoais e não debate de ideias tem sido uma constante na Câmara dos Deputados”, afirmou a parlamentar.

Já o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE) acredita que, por vezes, na tentativa de conquistar a audiência, parlamentares criam personagens nas redes sociais.

“O que a gente vê hoje constantemente são deputados tomando posições desrespeitosas na casa para alimentar redes sociais. As redes sociais distorcem muito, você cria personagens que com a adesão a rede social tem muitos votos. Sem conteúdo, sem substância mas exatamente porque alimenta nicho”, disse Coutinho.

Da Voz do Brasil para as redes sociais

 

O deputado Carlos Zarattini (PT-Sp), parlamentar desde 2007, lembra que o discurso para eleitores passou pela fase da Voz do Brasil (programa público no rádio), depois da TV Câmara e agora chegou às redes sociais. Ou seja, a comunicação ficou muito mais direta, para o bem e para o mal.

Segundo ele, mais do que nas etapas anteriores, hoje o discurso deve ser inflamado e ter “lacração” para atingir a atenção do eleitorado.

O deputado afirmou ainda que a proliferação das redes mudou a forma de os parlamentares conduzirem o mandato e se queixou de quebra de acordos.

“O que acontece hoje é que um deputado fala uma coisa com você agora e depois faz um vídeo para as redes sociais ou sobe na tribuna e fala algo totalmente contrário, para atender ao eleitor dele”.

Mudanças no regimento

 

Em junho, diante da explosão da casos de brigas, a Câmara dos Deputados aprovou uma mudança em seu regimento interno que aumenta os poderes da direção da Casa, comandada por Arthur Lira (PP-AL), para punir parlamentares envolvidos em brigas, confusões e ofensas a colegas (quebra de decoro).

As mudanças conferem à Mesa Diretora da Câmara a prerrogativa de propor a suspensão cautelar por seis meses de um deputado no âmbito de uma representação apresentada pela própria Mesa.

O pedido será encaminhado ao Conselho de Ética, que terá um prazo de 72 horas para decidir. Se a comissão perder o prazo, a medida cautelar será decidida em plenário.

A proposta estabelece um rito acelerado para suspender os mandatos de parlamentares em casos de quebra de decoro.

Atualmente, a pena de suspensão do exercício do mandato está prevista no Código de Ética da Câmara, mas é aplicada após o Conselho de Ética decidir pela suspensão e a decisão ser confirmada pelo plenário.

Este trâmite considera um prazo de 10 dias úteis para o relator escolhido elaborar um parecer preliminar no Conselho de Ética, depois prazo para coleta de provas e defesa, No total, o processo pode durar até 90 dias.

Com a possibilidade de suspensão cautelar, o parlamentar poderá perder suas prerrogativas do mandato em 72 horas.

*G1